"Cidade de Santo"

Seu Nelson era realmente uma boa pessoa. Imagine só, pegar um moleque como eu, nascido no interior do Piauí, lá onde dizem que Judas perdeu as botas, e trazer para uma cidade tão gigante como São Paulo, dizendo que eu ia conhecer coisas “extraordinárias”, apesar de eu nem saber o que é essa palavra.

Ao sairmos da rodoviária, seu Nelson tentou segurar a minha mão.

– Eu tenho 7 anos mas sei que cabra macho num segura em mão de outro, seu Nelson! – Respondi, mostrando toda a braveza de um típico nordestino.

– Você vai se perder, garoto. Se não quer segurar na minha mão, ao menos anda perto de mim. Quando passar aquela porta, você vai ouvir São Paulo, então se prepare.

Comecei a rir da maneira como ele dizia palavras como “porta”, com aquele R puxado, e não entendi o que ele quis dizer com “ouvir São Paulo”. Será que o Santo ia falar com a gente? Será que eu ia poder perguntar quando eu vou morrer? Acho que eu tinha que pedir bênção e rezar aquelas rezas que as moças cantavam todos os domingos na Igrejinha.

Foi então que a porta se abriu sozinha como mágica e um barulho ensurdecedor atingiu meus ouvidos. Eram buzinas, muitas buzinas. Enquanto na minha cidade só passavam uns caminhoneiros de vez em quando buzinando para assustar as moças e fazer a gente rir, depois daquela porta tinha uns trinta, todos buzinando ao mesmo tempo.

Fiz o sinal da cruz e me ajoelhei. Fiquei esperando São Paulo aparecer.

– Mas com toda essa barulheira, como que eu vou ouvir o Santo?

Seu Nelson começou a gargalhar e me levantou. Falou que ia buscar o carro e que era para esperar quieto. Porém, quando ele partiu em direção a um lugar que ele chamou de “estacionamento”, minha curiosidade me fez começar a caminhar. Aproximei-me de uma moça que era bonita, mas usava um brinco estranho no meio do nariz. Fiquei admirando a bolinha e pensando no que devia acontecer quando ela espirrava.

– Olha aqui, pivete, eu não tenho nada. Se queres assaltar vai buscar aquelas dondocas ali. Eu não tenho nada.

– Não quero queixar as coisa da senhora, não. Só queria ver essas bolinhas... – Fui interrompido com uma bolsa na cara. A mulher, depois de tacar a bolsa em mim, saiu correndo desesperada.

Quando seu Nelson me achou, também estava desesperado. Contei a ele toda a história da moça e ele riu. Depois disse que a vida em São Paulo é assim mesmo.

Eu, hein? Prefiro voltar para a minha cidadezinha, onde quem quer ouvir o Santo fica quieto, e as moças só se assustam com a buzina dos caminhoneiros, e mesmo assim não jogam coisas neles. Essa cidade de Santo é meio estranha mesmo...

[Texto Fictício]