O MORRO NÃO TEM VEZ...

(OBS.: o texto abaixo é um complemento da crônica UM DIA EM LILLIPUT e será melhor compreendido se lido depois dela.)

O MORRO NÃO TEM VEZ... (adendo)

Até o início dos anos 80 a subida do "morro da Euclides da Rocha" (era como o chamavam, devido a uma rua que o cortava de uma ponta a outra) se fazia por uma encosta íngreme, quase 70 graus de inclinação, vereda escura e cheia de mato e pedras.

Ficava espremida entre 2 prédios, como mostra a minifoto p/b à direita. (Por volta de 1980 a "entrada" foi extinta, aumentando em quase 2 km a subida via Ladeira dos Tabajaras. Adiante, "kombis" amenizariam o trajeto.)

Os mais velhos aguardavam sentados por uma mão amiga que os "guindassem" para cima, principalmente em dias chuvosos, quando a pedreira negra ficava bastante lisa. Poucos fazem idéia do que é subir uma escadaria (ou ladeira) dos Morros após dez horas de labuta como doméstica, contínuo ou servente.

É um "calvário" que envelhece as pessoas em pouco tempo e colabora para que o favelado esteja sempre anêmico, sentindo permanente fraqueza. Felizmente (?!) só se sobe o morro uma vez por dia. Aos domingos eu subia até 3 vezes, a última por volta da meia-noite, na época em que o nosso Morro ainda não oferecia perigo.

O favelado tem um compromisso inconsciente com a pobreza. Se melhora de vida, amplia e reforma o barraco por dentro, põe geladeira e TV em casa, mas não modifica o aspecto externo da moradia. Se fica rico tem que sair da favela, ali só se aceitam iguais e êle, graças à sorte, passou a ser "burguês". (Os "bicheiros" são um caso à parte !)

A televisão é o suplício do favelado, embora poucos tenham noção disso. Pobre não quer sapato novo, roupa de griffe (isso é coisa de "boyzinho zona sul") e nem mesmo carros ou motos, que caracterizam a VIDA DE RICO que êle está impedido subconscientemente de adotar.

O favelado, se a maré virar, quer pão & circo, muita farra/comida/mulher... e torrar a "grana" o mais depressa possível, para voltar a ser igual, ficar ao nível dos demais. Vai daí, enquanto desnutrido subempregado, assistir pela TV propaganda de cheeseburguers /chesters /yogurtes /perús sadios, etc, é uma tortura sem igual. Desempregado inúmeras vezes -- e isso é o TERROR de todo favelado -- eu quase chorava ao assistir pela TV cenas de saladas e doces, enquanto mastigava pão com banana à guisa de almoço ou devorava 1 "bisnaga" inteira só com margarina e açúcar, se a situação piorava. Além de água com açúcar o dia todo, para enganar a fome.

Pensou que luz e moradia são de graça nos Morros e favelas? Enganou-se, caro leitor! Há sempre alguém, que chegou primeiro, a se fazer de dono do espaço, como também da energia elétrica. E ái de quem usar ferro elétrico ou mais de 2 lâmpadas por barraco. Era assim nos anos 70/80, suponho que pouco mudou !

Favelado, seja do morro ou da baixada, é um herói, que o Brasil deveria admirar, apesar da bandidagem canalha que se instalou nesses locais. E essa "melhora oportunista" feita somente em 2 ou 3 Morros é politicagem safada e não um progresso necessário e por todos desejado e merecido.

Vai daí, enquanto desnutrido subempregado, assistir pela TV propaganda de cheeseburguers /chesters/ yogurtes/ perús sadios, etc, é uma tortura sem igual. Desempregado inúmeras vezes -- e isso é o TERROR de todo favelado -- eu quase chorava ao assistir pela TV cenas de saladas e doces, enquanto mastigava pão com banana à guisa de almoço ou devorava 1 "bisnaga" inteira só com margarina e açúcar, se a situação piorava. Além de água com açúcar o dia todo, para enganar a fome.

"NATO" AZEVEDO