UM LIVRO PENSADO

Texto de apresentação do romance histórico inédito -A COLONIZAÇÃO E O MASSACRE.

Pretendi dar vida a este livro como romance histórico, para destacar a figura e a vida de Domingos Sertão, sem dúvida o maior dos entradistas do Rio São Francisco, descobridor e colonizador do Piauí e marcar o genocídio praticado contra o nativo brasileiro. Acabou, por força da abordagem da catequese, que acompanhou passo a passo os colonizadores, a seguir, pela idéia de ligar as raízes nativo–brasileiras Nordeste e Sul, se fazendo em um misto de histórias, que entrego ao juízo do leitor. Destaca-se, nos caminhos da catequese na área de ambientação nordestina da novela, a figura histórica do Padre João de Barros, “O Língua”, “O Apóstolo do Nordeste”, “O Apóstolo dos Cariris”, como foi chamado pelos seus confrades. Alguma coisa como o santo do apostolado catequético da região. Depois de pregar em muitas missões, fundando várias destas, foi professor do colégio dos jesuítas em Olinda, reitor, pró-reitor, e deixou a comodidade para retornar aos seus cariris. “Onde quer que estivesse, exercitava o ofício de curador, pai e médico, enfermeiro, tutor e ainda mestre e catequista” do nativo – quem registra isso é Vieira. Sempre de missão em missão, sem parar muito em nenhuma delas, porque queria aprender mais do indígena para melhor saber ensinar-lhe. O padre João de Barros não poderia deixar de ter o seu espaço em um livro que busca apresentar o melhor da Colonização na área focalizada. Não há registro de que exercesse a catequese no Piauí, sim, às margens do Rio São Francisco, precisamente entre Rodelas, Bahia - aldeia dos índios da rodela ou corumbabá, hoje denominada tuxá e Belém do São Francisco, Pernambuco - aldeia dos acará, na ilha de Belém. Em termos de ficção penetrou as caatingas do bravo Domingos Sertão. Falando do grande missionário, não haveria como não abordar sua sistemática, seu modo de trabalhar junto aos índios, historicamente indicado como se apoiando no brinquedo e na arte cênica, figurando-a na fala simples a uma gente de simplicidade de criança. Definitivamente, acertava. E era adorado, escreveu-se sobre ele. Foram tomadas, como exemplo de seu apostolado, passagens bíblicas pinçadas em forma de ficção. Há outras figuras históricas partícipes da colonização do São Francisco mencionadas, superficialmente e só para enredar os fatos. É possível que o leitor estranhe, porque são nomes constantes do livro de história RODELAS. Ali fazem história aqui são apenas referência. Nestes termos estão além de o desbravador do Piauí e seu irmão Julião Afonso Serra, os irmãos Domingos e Francisco Rodrigues de Carvalho, Manoel Gonçalves Pereira, Capitão índio Francisco Rodela e o sargento mor Antônio Gomes de Sá.

A abordagem histórica do Povo Guarani, amplamente trabalhada pelos autores contemporâneos e mesmo pelos atuais, é superficial, e visa somente destacar o massacre a que foi submetido o nativo brasileiro de norte a sul do país. O “colonizador”! A “colonização”! Um banho de sangue. Veio o rebotalho? Seria? Ingressaram no chão brasileiro, criminosos de toda espécie. Para começar - quatrocentos degredados, diz a crônica, na frota de Tomé de Sousa. Que crimes teriam cometido? De sangue, contra o patrimônio ou político? Talvez um pouco de tudo. A Coroa estava além-mar, no tempo do veleiro. Seus delegados administradores não tinham olhos para alcançar a extensão territorial. O bandido mandava e desmandava. Teria sido isto somente? Aqui, o poder oficial declarava a “guerra justa” e autoriza os latifundiários a quem concedera a posse da terra, a exercitá-la às suas custas e livremente. Estes eram brasileiros de terceira e quarta geração, alguns descendentes do nativo, duas vezes, vamos dizer - isto é, de lado materno e paterno. Matava-se o indígena para tomar a terra. Era a institucionalização do assalto, do roubo.

No Rio Grande do Sul, na área à época contestada, foram dois exércitos (Portugal e Espanha) que assumiram a guerra de matança do povo guarani, por nada mais que desejar, este, viver no seu chão. E, destaque-se, eram povos reduzidos ao confinamento jesuítico. Barbaridade!

Verdade, verdade, talvez me faltasse talento para criar e ampliar em cima da história real do colonizador e do missionário, focalizando melhor a vida nordeste – sertaneja de seu tempo. O personagem de raízes nordestinas que nasceu, profissionalizou-se e viveu no Rio Grande do Sul e sabendo-as vagamente, quis resgatar, é simples ficção. Tem o sentido de destacar a unidade e a grandiosidade deste país extraordinário. Vive um descendente da brava nação cariri, cujo antepassado barranqueiro se consorciara, pelo casamento, à grande e heróica família guarani. Uma figura puramente ficcional, simples idealização. E sobre isso, representa os muitos originários do Nordeste, que se firmaram no sul, como no Brasil se firmaram africanos e europeus de várias origens.

Por exemplo, o marechal Hermes da Fonseca, irmão de Deodoro da Fonseca, era alagoano, como este. Foi interventor na Bahia por algum tempo no após proclamação da República. Servira, antes, no Rio Grande do Sul, e foi pai, ali, do outro Hermes, também general, marechal, aliás, que veio a ser Presidente da República. Alagoanos, os irmãos Deodoro e Hermes, o primeiro – suas raízes teriam vindo de São Paulo para o Rio Grande do Norte, na fase da guerra contra os holandeses. Era militar seu antepassado paulista. Daí para Pernambuco e Alagoas.

Imagem também de ficção, o Jerôme, pesquisador do primo remoto Cristóvão, aventureiro viandante, bom gozador da vida, bom contador de lorotas. A este coube a tarefa, de ouvir de muitos em muitos lugares e memorizar, somar informações para alcançar as raízes do professor gaúcho de Porto Xavier.

O trabalho pretende focalizar aspectos da vida real do desbravador do Piauí, em termos de fantasia, sem desfigurar a imagem histórica, e o massacre do nativo. Resulta que o livro acabou sendo construído com recortes de sonho e um pouco de imaginação, muito de história e pinceladas de lirismo. Indagações também. E até contestações. Enquanto o contador de histórias indaga de seus personagens, estes, por seu turno, indagam-se entre si para ter resposta, indagam do ambiente, das circunstâncias, da natureza. Indagam de Deus. Neste conjunto de falas e abordagens, às vezes vêm as contestações. É a busca da luz, como a exigirá aquele a quem se destina o livro – o leitor. Que as luzes sejam com o texto e o texto com o leitor.