Analisando um estagiário

Analisando um estagiário

Por Gustavo Samuel

Hoje analisaremos um jovem estagiário de um certo tribunal de justiça de um certo estado de uma certa região de um certo país. No primeiro dia de trabalho, podemos perceber algumas características marcantes: o rosto corado, o sorriso nos lábios, repetição da frase: “Consegui um estágio, agora as coisas irão melhorar”. Uma pessoa saudável, cheia de sonhos e perspectivas. Qualquer trabalho que lhe oferecem é aceito de bom grado e feito com entusiasmo. Ao fim do dia, mesmo consternado com alguns erros que cometeu, está evidentemente alegre.

Em pouco tempo, entretanto, esse perfil é completamente transformado. Trabalhando cinco horas diárias no balcão de atendimento da Escrivania de Família e Sucessões, surgem certos tiques nervosos, olhos arregalados, respiração ofegante. Qualquer palavra ou pergunta é sempre respondida com um “Ai, que saco!” antes.

Para termos certeza de seu real estado, fizemos um experimento. Avisamos ao estagiário que ele não precisava se conter com o próximo atendido (na realidade, um robô de nossos laboratórios). Eram 17h50min, dez minutos antes do fim do expediente. O robô entrou na sala de atendimento e disse: “Meu irmão foi preso por não pagar a pensão...”. Surpreendentemente, o estagiário voou para o pescoço de nosso robô, que foi completamente destroçado com um grampeador. Nossas câmeras registraram ainda o estagiário tremendo, murmurando “ta, ta, ta, ta, ta” e com um pouco de baba no canto da boca.

Alguns meses depois, há uma reorganização na estrutura da escrivania. O estagiário deixa o balcão de atendimento (palavras do próprio: “Que alívio!”). Sua função agora é movimentar processos, cumprir despachos, fazendo mandados, termos, alvarás, etc.

Notamos uma melhora no humor do estagiário. Seus movimentos são mais tranqüilos e desaparecem alguns tiques. O contato mais freqüente com alguns juízes e a maior liberdade de expressão longe do balcão de atendimento faz com que novas palavras surjam em seu vocabulário, tais como inferno, desgraça, merda e porra.

Apesar da sensível redução do stress, em pouco tempo, o estagiário retoma o semblante cansado e alguns movimentos involuntários. Em entrevista, o nosso objeto de estudo afirmou ter dois novos inimigos: o SPG (também chamado de “sistema”) e as impressoras da escrivania.

Novamente expomos o estagiário a um experimento tenso e o deixamos livre para agir como desejasse. A experiência consistia em fazer cinqüenta mandados de citação e vinte cartas precatórias de intimação. Os primeiros cinco mandados foram feitos em menos de dez minutos. O sexto exigiu uma certa análise e com a demora, o SPG “travou” e obrigou o estagiário a recomeçar o sexto mandado. Este agiu com tranquilidade, só murmurando uma interjeição. Com muita dificuldade, depois de duas horas, ele termina os mandados. O Sistema, ao nosso comando, exibia frequentemente mensagens de erro e obrigava o jovem a repetir várias vezes o trabalho, o que fazia ele dizer, em voz alta, graves palavrões e repetir : “Eu quero que o sistema vai pra p... (omitimos o termo)”.

Para conhecer os limites da paciência dele, iniciamos a operação S.A.C.A.N.A.G.E.M. Por mais de dez vezes, o sistema caía no meio da confecção da primeira carta precatória. Exigimos que o chefe dele o exortasse a trabalhar mais depressa. Os indicadores de raiva e stress chegaram ao limite. Ao terminar a carta sem problemas do sistema, ele parecia mais calmo, entretanto, não conseguiu se segurar quando fizemos a impressora travar e destruir o documento expedido.

O estagiário gritou vários palavrões. Com um soco, quebrou o monitor do computador em que estava e jogou a impressora pela janela. Foi preciso usar vários dardos tranqüilizantes para evitar uma tragédia.

Concluímos que o trabalho de um estagiário é de alto risco. Somente pessoas altamente preparadas podem suportar os níveis de stress atingidos nesse trabalho. Recomendamos cautela aos chefes e colegas de trabalho ao tratar com esses indivíduos. Em breve, apresentaremos mais resultados da pesquisa.