CASA DA PAREDE DEITADA

Zeca estava curioso para ver aquela nova construção iniciada ali perto. Não que ele nunca tivesse acompanhado a construção de uma casa, não; até participou de algumas delas ao longo dos seus quase oitenta anos de vida. Aquela estava diferente.

Iniciaram cavucando buracos e valetas no chão. Não se via nenhuma madeira para os esteios e no seu lugar um monte de tábuas, pedrinhas e areia. Daí a sua curiosidade.

No seu tempo, furavam-se buracos onde eram colocados, de pé, os esteios de madeira maciça e lavrada no lugar pelo machado afiado e habilmente manejado pelos carapinas. Depois colocavam os baldrames e barrotes. Em cima, também adaptados com encaixes perfeitos, os frechais, os pontaletes, as tesouras e a cumeeira. Por último, os caibros, ripas e telhas.

Parede era a última coisa a fazer. Colocavam-se paus-a-pique de meio em meio metro, amarravam com cipós as ripas de bambus e por último, barrear aqueles espaços. Era aí que ele participava, ou como amassador do barro tabatinga ou como aparador.

Para barrear, um trabalhador do lado de fora fazia uma bola grande de barro mole, moldável e arremessava com força contra as ripas do bambu. Um ou dois outros ficavam pelo lado de dentro aparando com as mãos abertas para não deixar o barro vazar totalmente. O excedente do barro era raspado com as pontas dos dedos e colocado onde existia pouco e assim, depois da parede pronta estaria toda rabiscada com as marcas das pontas dos dedos dos operários.

Ali não. Depois de fazer aqueles caixotes e encher de concreto, fizeram o soalho. Em seguida levantaram as paredes, deixando, claro, o lugar das portas e janelas, como se fazia também antigamente.

Achou tudo muito bonito, passava a mão pelas vigas, quase lisas e retinhas, não se pareciam nada com as que seu Quinca Xavier fazia de madeira lavrada. As paredes não davam aquele trabalhão para fazer, nem precisava de tanta gente assim e depois eram bonitas, retinhas. Era só colocar a argamassa e empilhar os tijolos um a um. Zeca chegava mesmo a andar pelos cômodos, entrando e saindo várias vezes, olhando tudo e até certo ponto maravilhado. Mas, e o telhado? Estava bastante curioso, pois as paredes estavam já na altura ideal e nada de telhado. Ficou na dele.

Fizeram de novo outros caixotes lá no final das paredes. Botaram por cima umas vigas mais finas espaçadas e no meio, outros tijolos maiores e deitados. Agora era que eles estavam botando o que pareciam ser os paus-a-pique! Estavam escorando tudo aquilo com pedaços de eucaliptos, bambus, até tábuas serviam para escorar. Uma bagunça daquelas. Era demais para o Zeca. Tacaram massa de cimento por cima daquilo tudo.

Zeca estava estupefato. Parede deitada? Eles não vão deixar essas escoras ali e quando retirar essa parede vai cair. Ele nunca mais passeou pelo interior daquela casa e a sua curiosidade maior agora era assistir a retirada daqueles paus. No seu julgamento ia morrer alguém, pois aquela parede deitada ia cair, sem sombras de dúvidas.

Agora, nessa fase da construção, ele praticamente passava a maior parte do dia lá, de plantão. Não queria perder a oportunidade de ver aquela casa vir abaixo. Não queria o mal de ninguém, mas por ele não haveria uma parede naquelas condições. Botava lá um forro feito de taboca ou mesmo de taboa, plantas que existiam demais por ali. Tudo estava indo tão bem, apoiava toda aquela evolução e agora eles veem com essa!

As escoras foram retiradas e nada! Ele ficou mais aliviado, mas quando começaram colocar as madeiras para fazer o telhado... Pirou de vez. Não queria ficar nem perto mais. Não ia aguentar. Não tinha esteios, nada para suportar o peso daqueles paus e telhas e, pior ainda, por cima de uma parede deitada. A laje estava atazanando a cuca do velho e experiente Zeca, pelo menos no seu ponto de vista. Ficava de longe, num lugar admitido como seguro e admirava por demais a coragem do carpinteiro em cima daquilo tudo.

E a casa está lá, de pé, bonita, forte. Zeca não a conhece por dentro. Nunca mais a adentrou depois da laje construída, mesmo depois de ver muitas pessoas habitando-a. Chega, olha bem, senta na varanda, espicha o pescoço fino, espia dentro da sala, e fixa os olhos na laje.

- Diacho! Ainda está lá! Nunca vi parede deitada! Como é que ela pode ficar dependurada assim? Eu acho que ainda vai cair! Hum! Hum!

Aparentemente ele julga ser tudo como uma arapuca para pegar Zecas: se ele entrar lá, ela desaba e o mata. Seguro morreu de velho! E estamos conversados!

Dbadini
Enviado por Dbadini em 12/06/2009
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