Mistério...
Era dezembro, quinta-feira, dia 19. Foi um dos piores dias de minha vida. Mamãe após alguns meses doente veio a falecer; eu que já não tinha pai, a partir daquele momento estava só!...
Éramos de família muito pobre; aliás, pobre não. Paupérrima!... Pobre é muito pouco.
Nesses termos, eu agora estava só; sem família; sem dinheiro e sem uma formação profissional... Tudo o que me restaram fora os sonhos. Sonhava em ir pra Cidade grande, ser Atriz e ser muito feliz... Então no dia 01 de outubro de 1979, uma segunda-feira lembra-me como se fora hoje, embarquei rumo ao Rio de Janeiro. Na mala, algumas roupas surradas, revistas de foto-novela (“Sétimo Céu”) e um porta retrato com uma foto de infância, ao lado dos meus pais.
Desembarquei na rodoviária do Rio, na quarta-feira à noite, já não me lembra à hora, sei que era bem tarde da noite! Lembro, porém que fiquei horas me perguntando pra onde ir... E o que fazer... Então me veio uma idéia de comprar um guia do Rio. Fiquei o resto da noite sentada em uma cadeira, com as pernas em cima da mala, lendo.
Quando o dia amanheceu, eu já tinha um destino; coloquei a mala no guarda volume da rodoviária e segui em destino a Lagoa Rodrigues de Freitas.
A lembrança de Teresina, minha Cidade de origem, agora em contraste com a nova situação, causava-me uma leve dor na barriga; frio na espinha dorsal e fortes batidas no coração. Após andar um pouco, avistei as margens da Lagoa um quiosque do DETRAN; sentindo sede, me aproximei para ver se tinha água e pedir um pouco, pois não podia nem pensar em gastar com água o pouco dinheiro que tinha; havia apenas um senhor, de aproximadamente 55 anos que foi muito prestativo; Wilson era o seu nome; o qual ao me ouvir falar, logo percebeu que eu não era da Cidade e começou a me fazer perguntas. Quando havia chegado; se tinha parentes lá; onde estava hospedada; o que pretendia fazer; etc...
Após alguns minutos de sabatina, ele me perguntou se eu era louca!...
Conversamos muito então ele me convidou a ficar hospedada em seu apartamento enquanto eu arranjava um trabalho. As 18h00min quando o posto fechou fomos pra seu apartamento em Copacabana, na Rua Viveiro de Castro; Edifício Balbina da Fonceca. Com ele já morava outra adolescente, Lucia, da minha idade, 19 anos; ela trabalhava como faxineira no Canecão. Após Lucia chegar do trabalho, fomos à rodoviária pegar a minha bagagem.
Cinco dias depois, lá estava eu com um jornal na mão a procura de trabalho; era uma segunda feira, atraída por um anuncio de jornal, no dia seguinte bem sedo fui ao Leblon, a um Escritório que precisava de uma Auxiliar Administrativa. Por falta de experiência, não consegui a vaga. Desanimada tomei um coletivo de volta pra casa. Quando fui pagar a passagem:
- Você não tem trocado?! - Falou o cobrador. – É que eu não tenho troco.
Respondi que infelizmente não, só tinha aquele!...
- Então não passe, aguarde pra ver se consigo troco.
- Deixe que ela passe, eu pago! – Alguém falou atrás de mim.
Virei-me rápido para ver quem era. Um rapaz de cor bem escura, negro; alto; magro; aparentando seus 32 anos e trajando roupas sociais, calça preta e camisa branca, me olhou sorrindo e falou:
- Pode passar, eu pago!...
Eu agradeci e passei; ao sentar-me, ele veio e sentou se ao meu lado, quis saber meu nome, de onde eu era, há quanto tempo estava na Cidade e o que andava fazendo por aquelas bandas. Durante o trajeto falamos um pouco de mim, um pouco dele e um pouco da vida; falou-me que trabalhava a 10 anos na Telerj, que naquele momento estava resolvendo assuntos da Companhia; e me convidou para uma reunião de amigos em sua casa na sexta-feira, pois naquele dia, ele não trabalharia. Deu-me o endereço; falou como era a casa; oriento-me sobre como chegar e pediu para que eu não faltasse. Em seguida falou:
- Você acredita em reencarnação?...
- Sim, eu creio!...
- Estou lhe perguntando por que quando a vi tive a sensação de já conhecê-la
- Interessante, eu também tive essa mesma impressão ao te ver...
- Vou descer no próximo ponto! - Ele falou. – Aguardo você na sexta.
- Não faltarei!...
- Mais uma coisa. – Disse ele. – Não vá se assustar ao chegar lá. É que nas sextas eu uso roupas toda preta, em homenagem ao meu guia.
Ele desceu, eu continuei. Fiquei ansiosa aguardando a chegada do dia combinado, pois adoro fazer amigos; recém chegada na Cidade, eu precisava; e nele havia algo especial!...
Na sexta-feira logo sedo, me arrumei toda e tomei o coletivo que ele me indicou; com a ajuda do cobrador, desci no lugar indicado. Logo encontrei a rua; agora era só encontrar o numero. Logo avistei um muro bem grande que tive de andar um pouco até chegar frente ao portão; e ao lado esquerdo do portão estava o numero que eu procurava... Achei estranho aquele muro tão grande, mas quis olhar de perto pra me certificar. - Não pode ser aqui, falei comigo mesma. – O numero deve se repetir em algum lugar!... Subi uns três quarteirões verificando pra ver se o numero se repetia, mas não... Voltei desacreditada de que aquilo estaria acontecendo e querendo uma explicação. Parei frente ao portão e me pus a olhar pra dentro, verificando se tinha algo parecido com o que ele falara sobre a casa; mas, nada!...
Sempre fui muito teimosa e não desisto facilmente das coisas, isso às vezes me atrapalha um bocado.
Inconformada com aquilo, crendo que o numero se repetia em algum ponto da rua, ou quem sabe existia outra rua com o mesmo nome; após subir e descer umas três ou quatro vezes resolvi entrar em um barzinho do outro lado da rua, logo no inicio daquele grande muro e perguntar.
- Não moça, o número não se repete isso é tudo muito bem organizado pela prefeitura.
O endereço que você está procurando é esse aí mesmo.
- E a rua? Não tem outra com esse mesmo nome?
- Também não. É só essa!...
Voltei em frente ao portão, olhei pra dentro por alguns minutos e, lembrando que ele havia me dado o endereço do trabalho e me falado que era perto Dalí, resolvi ir até lá. Ele tinha me falado que naquela sexta-feira não trabalhava, porém mesmo ele não estando lá, alguém me daria alguma informação, imaginei.
- Não moça, aqui não trabalha ninguém com essas características, nem com esse nome. Ele falou que se chamava Carlos?...
- Sim. E falou que trabalhava aqui há dez anos.
- Não... Só si for noutro posto da Telerj, nesse não.
- Ele me falou que era nesse, mas tudo bem...
Agradeci e sai inconformada. Por que alguém me convidaria pra uma reunião de amigos em sua casa e me daria o endereço de um cemitério afirmando ser o seu?...
Será que foi só um moço da cidade querendo se divertir à custa de uma caipirona?... Ou será que eu andei conversando e marcando encontro com uma alma penada?...
Até hoje, para mim, isso é um mistério!...
Fim