Viagem pelo tempo

Hoje pretendo fazer algo diferente, vou viajar pelo tempo, mais ou menos no estilo do filme “De Volta Para o Futuro”, uma viajem bem gostosa por São Paulo em uma época onde a cidade era “um pouco mais vazia”, quando ainda tinha o aspecto interiorano mesmo com alguns milhões de habitantes (hoje são dez milhões e meio), não sei se conseguirei retratar de maneira fidedigna o ambiente que se passava nos anos 60 e 70, até porque não sou nenhum historiador e nem passei dos trinta ainda.

Tempo bom era aquele onde conseguíamos passear com a família tranquilamente pelo centro de São Paulo (tranquilamente no sentido de uma quantidade menor de pessoas circulando pelas ruas, pois a violência sempre existiu por aqui), onde com sua esposa e filhos percorriam as ruas centrais, Rua São Bento, Rua Direita, Viaduto do Chá, Avenida Ipiranga, Avenida São João, Rua quinze de Novembro, Rua Santa Efigênia, Praça da Sé, Rua Boa Vista, Praça João Mendes, Rua Tabatinguera, Praça da Luz, o Mercadão do Parque Dom Pedro e muitas outras, sem a preocupação de se esbarrar com pedestres apressados e sem educação, sem o medo de ser atropelado por um dos seis milhões de carros que existem hoje.

Para ir ao trabalho não necessitava acordar trinta minutos ou até uma hora mais cedo como acontece hoje, conseguia beber um bom café e comer degustando o sabor dos alimentos, durante o percurso cumprimentava todos os vizinhos, até então todos conhecidos, e seguia para a estação, que se localizava a quinze minutos de casa, sem precisar acelerar o passo, na plataforma da estação de trem (ainda estava em projeto o metrô em SP) podia ficar sentado em um dos bancos esperando ele chegar, e quando chegava não tinha o empurra-empurra para entrar e dentro do vagão havia assentos disponíveis, a palavra “estresse” não existia em nosso vocabulário.

Véspera de feriado quando queria chegar mais cedo em casa, e resolvia ir de carro para o trabalho percorria o trajeto em no máximo meia hora, e do mesmo modo ocorria na volta, nos fins de semana andava pelas avenidas pouco movimentadas em primeira e segunda marcha com o intuito de curtir o passeio com a família, não tínhamos pressa alguma (hoje você só anda em primeira e segunda marcha), de vez em quando acelerava um pouco mais só para sentir o ronco do motor, a criançada ia à loucura, sempre querendo mais emoção.

As visitas a casa da sogra ou dos meus pais, que moravam em bairros diferentes, tornava-se a atração de alguns fins de semana, pegávamos o trem e curtíamos aquele barulho gostoso dos trilhos e as chacoalhadas dele, atravessávamos a cidade em uma hora, sem o medo de levar uma “pedra perdida” vinda sabe se lá de onde, sem tumulto, você percebia as famílias reunidas curtindo o passeio. Hoje apesar da melhora os trens são lotados, o metrô é lotado, para ir de um bairro ao outro, precisa de muita paciência, e independe do dia e do horário, o que antes era uma diversão, hoje acabou se tornando um tormento.

A criançada brincava pelas ruas e pelas praças existentes sem os pais se preocuparem, todo mundo conhecia todo mundo, brincadeiras de pião, bolinha de gude, pipa, sem a porcaria do “cortante”, carrinhos de rolimã, jogavam futebol nos vários campos de várzea do bairro, e por falar em futebol, cada bairro tinha o seu representante no campeonato amador da cidade, a rivalidade acontecia entre os bairros de São Paulo, hoje por haver prédios nos lugares dos campos e um número maior de moradores a rivalidade acontece dentro do próprio bairro no único campo que conseguiu “sobreviver” isso quando há um campo no bairro, infelizmente as crianças crescem presas em seus “aperta mentos” ou casa muradas.

Não quero ser saudosista, até porque apenas incorporei uma personagem para viajar pelo tempo, no entanto quarenta cinquenta anos depois, muitas coisas mudaram e como mudaram, tanto para melhor quanto para pior, poderia ficar horas descrevendo, a cidade cresceu demais, tudo é exagerado em São Paulo, até o pouco aqui é muito, aqui você encontra de tudo na hora que você quiser a cidade não pára, ou melhor, não dorme.

Se por acaso tivesse mesmo vivenciado aquela época, hoje estaria com uns sessenta, beirando os setenta anos e me pergunto como “eles” que estiveram e presenciaram toda estas mudanças devem estar achando de tudo isso, senhores e senhoras que costumaram a vida sem a preocupação de olhar para as horas, em uma cidade que fervilha, onde os moradores parecem viver sob uma enorme nuvem negra, rostos fechados, buzinas insuportáveis, e que nascem estressados ou para quem vem de outros estados incorporam esse estilo de vida.

Não vou negar, aqui é a cidade da oportunidade, mesmo “ruim” posso dizer que ainda é muito melhor que outros estados por aí, principalmente para os de baixa renda que são a maioria, ainda é melhor ser pobre aqui em São Paulo do que em outros estados, e posso dizer isso porque já morei em outro estado e presenciei, quando dizia ser de São Paulo procuravam saber de tudo, e contavam o seu desejo de vir para cá e “ganhar a vida”.

Como não pretendo ficar rico, depois de formado e feita alguma especialização vou buscar o interior, ou quem sabe até mesmo outro estado para morar e trabalhar, buscar sair dessa nuvem negra que estamos sob todos os dias, um canto onde apenas escute pássaros cantando, onde possa cumprimentar os meus vizinhos, beber o meu café e sair para trabalhar, da mesma forma que o meu personagem fazia, o Brasil é muito grande e muitas cidades ainda cultivam essa vida interiorana, assim como São Paulo um dia a cidade onde eu estiver vai crescer também e assim que isso acontecer arrumo minhas malas e vou para outra cidade.

“Obrigado São Paulo” por essa deliciosa viagem!

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 14/06/2009
Código do texto: T1649218
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