CONEXÃO IMPROVÁVEL

Diz uma personagem de Dostoiéwski, em Os irmãos Karamázov, que uma boa provisão de lembranças felizes faz com que a pessoa se salve na vida adulta.

Em 1991, fazia eu o censo numa rua de Copacabana quando entrei no apartamento de uma senhora chamada Hannah. De início, ela foi um pouco distante comigo, polida, mas fria.

Pensei em logo terminar meu trabalho e sair o mais rápido possível dali.

Ocorre que , em 10% dos domícilios visitados, tinha-se que aplicar um questionário maior, perguntas sobre onde o entrevistado estava morando 10 anos antes, no que tinha trabalhado, detalhes de sua vida pregressa do entrevistado, etc.

Ao perguntar onde ela morava em 1980, D. Hannah, sem querer, falou que aquele era o ano em que seu marido havia falecido. E surpreendentemente começou a chorar. Eu não sabia o que dizer, ela me pediu desculpas pelo choro, eu pedi desculpas pela pergunta e ela começou a falar de sua vida. E contou-me (sem lamentações) que seu nome era Hannah pois suas duas avós chamavam-se Ana – então ela era Ana duas vezes, falou do casamento com o marido diplomata, da vida na Europa e da beleza dos campos floridos do Líbano pré-guerra, do filho único que morava longe e do qual ela sentia falta, e falou mais, muito mais e eu já não queria mais sair dali, entretido que estava na conversa. E tomamos café e ela me perguntou se eu estudava e dos meus planos para o futuro.

E assim foi. Uma improvável harmonia entre uma senhora de 83 anos e um rapaz de 21.

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