Fantasia de Papel

Fantasia de Papel

Evane A. Barros Barbuto

Uma esquecida marchinha de carnaval me faz percorrer um estreito labirinto da memória, mostrando, num retalho de lembranças, um salão improvisado onde crianças se prendem pela cintura num animado trenzinho de carnaval, entre serpentinas penduradas do teto e amontoados de confetes pelo chão. Indo mais fundo nas recordações, sei que eu era bem pequena e não tinha como me enfeitar para a matinê infantil que estava prestes a iniciar. Mamãe algumas vezes improvisava fantasias conjugando uma saia longa com bolerinho de cetim salpicado de lantejoulas grandes, lencinho na cabeça combinando, um colar e a maquiagem. E pintar o rosto era a glória - abusar do cobiçado batom bem vermelho, o ruge (blush) colorindo as maçãs do rosto e os olhos bem pintados e puxados. Valia também uma pintinha preta de um lado.

Mas, naquele ano de mil novecentos e antigamente, minha tia um doce de criatura, lembro-me bem, passava lá em casa os dias de folia. Começou a andar pela casa, cheia de dó, exclamando repetidamente “ Tadinha dela gente, precisamos dar um jeito, vamos fazer uma fantasia pra ela...” Mas, nada foi possível conseguir numa tarde de domingo de Carnaval senão algumas folhas de papel crepom numa lojinha ao lado. Titia criativa e habilidosa em trabalhos de confecções, não titubeou em sentar-se à máquina de costura. Confeccionou, assim, uma vestimenta de papel sobre a qual só me vem na memória lampejos de babados vermelhos, amarronzados e verdes. Laços no mesmo tom enfeitavam a cabeça. Não contestei. Do salão, perto de casa, já soavam os primeiros acordes carnavalescos da folia com crianças correndo, rindo e cantando: “ Cidade maravilhosa... Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim... Alá, meu bom Alá... Que charrete macia que corre e não pula, toque, toque, toque,”... A verdade é que me diverti naquela tarde, longe de ser uma bailarina resplandecente, uma graciosa colombina ou uma saltitante havaiana... Chi!... nada disso, talvez tenha sido uma baiana estilizada numa inusitada fantasia de papel.

Se voltei de roupa inteira para casa? Não me lembro. Ah, no Carnaval tudo vale!

Evane
Enviado por Evane em 17/06/2009
Código do texto: T1653431
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