Levando Fumo

Podem chamar isso aqui de manifesto de um ex-fumante. E para o fumante que desdenha, aviso: fique longe de mim. Você não é bem-vindo.

Foram mais de 20 anos entregue ao vício. Como sócio da Souza Cruz, meus dividendos, é certo, foram convertidos em dias abreviados no final da minha vida. Férias... Só pode. Isso porque me atenho ao fato e suas consequências. Não falo das ressacas de nicotina, dos olhares aborrecidos que recebi, dos comentários indignados que ouvi, do horrível hálito a que submeti as mulheres que amei. Não penso no quanto idiota eu fui com um cigarro entre os dedos achando que era, como o ator do comercial da TV, o mais charmoso dos homens da terra. É como se o sucesso dependesse de quantos cigarros você fuma. Quanto mais intoxicado, mais importante e poderoso. Esses são os meandros do vício. Assim é o fumante.

Não é dificil fazer comparações grotescas entre o fumante e um homem. Ele foi um homem um dia. Ou uma bela mulher. Hoje ele vive a condição irracional daqueles que dispensam as cinzas do cigarro em qualquer lugar, quer seja o corredor do prédio onde trabalha ou mora, quer seja uma lata vazia de cerveja ou refrigerante sobre a mesa. Ele joga, pela janela do carro, o resto do seu vício como se o passeio, a rua, a jardineira, o canteiro fosse o quintal do seu deturpado habitáculo. E não ouse chamar-lhe a atenção. Ele se enche de razões como se você fosse a exceção e ele a regra, via de regra. Um dia eu pertenci a esse mundo insano dos fumantes. E, para ser feliz hoje, não esqueço o que passei. Quando olho para um fumante jogando para dentro dos pulmões uma bela e profunda tragada, meu primeiro sentimento é de pena. Mas ele passa logo. Principalmente se o cheiro desagradável do fumo industrializado chega às minhas narinas. Narinas essas que, depois desses dez anos longe do vício, são verdadeiras máquinas de cheirar. Deixo para lá o paladar para não matar de inveja os fumantes que, em um famoso restaurante, pagam dezenas de Reais por um prato onde o sabor sequer sentem.

Em outubro deste ano serão dez anos longe do vício. Não esqueço aquele dia. Terça-feira, feriado, 12 de outubro de 1999. Bye bye Hollywood. Minha esposa e minha filha falavam sempre do meu vício e eu me calava. Porque, no fundo, eu sabia que a razão era delas e não minha. Mas para abandonar o vício de fumar você precisa querer. Eu fumava porque era viciado, porque gostava e porque o hábito me fazia tirar o cigarro do maço, levar a boca, acendê-lo e queimá-lo até o fim como um pavio, um estopim, um rastilho. No final dele eu pronto para explodir.

A verdade é que espero o dia em que o fumante será considerado um ser em extinção. Nenhuma ONG será criada para a sua proteção e toda ação no sentido de acelerar o processo terá minha simpatia. Levarei um quilo de alimento não perecível junto com o ingresso, ficarei noites a fio na fila para alcançar o gargarejo do show em benefício da extinção do tabagismo. Farei mais do que tiver que ser feito.

Enquanto há tempo, pare de fumar. Faça sexo!