O deus sem senso de humor

Quando criança, aprendi que Deus que era um senhor que via tudo e que adorava assustar as pessoas com a condenação a queimar no fogo eterno. Também me ensinaram que era extremamente mal-humorado e que, entre outras coisas, se gritasse ou brigasse na Sexta-feira Santa ficava aleijado ou, no mínimo, com a boca torta. Os pecados contra Ele (aliás, escrever qualquer menção a Ele em letra minúscula já era um pecado imperdoável) compreendiam uma gama tão grande que a gente se amaldiçoava por ter nascido.

Na escola dominical, poucas histórias bíblicas positivamente inspiradoras; a maioria só ajudava a aumentar o medo. Era rara a noite em que não temia o fim do mundo no meio do fogo. Assim, cresci entre as letras louvadoras do divino, expressa nos hinos, e a ameaça perene do castigo por existir. Sem esquecer que, ao estudar em colégio católico, convivia, ainda, com a culpa de ser luterano, outro pecado pregado no catecismo, e que eu era obrigado a estudar, pois era o único pária não católico na turma.

Levou muito tempo para abrir os olhos e entender que esse deus, seu sectarismo, sua intolerância e seu espírito vingativo eram apenas a imagem e semelhança das mentes obtusas e corações amargos das pessoas infelizes. Mesmo assim, não canso de me estarrecer com a quantidade de deuses criados por essas mentes e que ganham cada vez mais força: o deus que lhe dá tudo que você quer em troca de louvor espalhafatoso, o deus que permite que o demônio se instale em milhares de pessoas apenas para ser expulso por charlatões, o deus que dá o dom da cura a cada pessoa que se dê qualquer cargo na hierarquia religiosa, o deus que gosta das pessoas de acordo com o dinheiro que dão à “Sua” obra etc. etc.

Mas de todos, talvez, o mais abominável, seja o deus sem senso de humor, que não ri, não se diverte, condena a diversão e só permite a pompa da circunspeção, o deus da transformação dos humanos em zumbis da tristeza religiosa, o deus da morte em vida, que abomina a criação que os zumbis dizem ser dele. O deus que não sabe rir tem outro nome e tristes conseqüências.