O conhecimento melhora a pessoa?

Segundo Baudelaire, “Este mundo adquiriu uma tal crosta de vulgaridade que o desprezo que ele suscita no homem do espírito adquire a violência de uma paixão. Mas este mundo pertence ao gênero daquelas carapaças que até mesmo o mais corrosivo veneno seria incapaz de perfurar” (Prólogos para Flores do mal).

Baudelaire escreveu isso em 1859. Há mais de um século e bem no auge daquele processo no qual o homem ocidental, superando a tal metafísica grega e as crendices medievais, depositava estupenda fé na potencialidade da razão.

Essa razão, graças ao poder que lhe foi conferido, haveria de tirar o homem da menoridade infantil e conduzi-lo à adultecência emancipada.

Essa razão haveria de fazer o gênero humano sair da determinação instintiva do mundo natural para catapultá-lo a patamares grandiloquentes e refinados de cultura simbólica.

A racionalidade assim entendida, portadora de todas as possibilidades, faria o homem percorrer os caminhos que o tirariam da heteronomia exercida pela política e pela religião rumo à autonomia que lhe daria o raciocínio, o juízo, o julgamento e a decisão sobre um melhor.

Essa razão traria emancipação. Ela fomentaria a autonomia. Produziria a paz perpétua. Coroaria todo o esforço de desvendar a ordem e o progresso do mundo com uma infindável paz universal.

No entanto, temos de admitir, com Baudelaire, que, em vez disso, toda a filosofia, toda a ciência e toda a arte do homem ocidental não foram suficientes para captarem aquela potencialidade racional e colocá-la a serviço desse paraíso ético com que sonharam os iluministas e, de modo geral, toda a Modernidade.

De maneira que a razão não pode fazer muito pelo gênero humano. A vulgaridade imperfurável em que o vemos metido é repugnante. A miserabilidade de espírito que o campeia é tenebrosa. O pigmeísmo mental que o assola é dosolador. O embrutecimento é geral: apanha-lhe na integralidade do que é e pauperiza-lhe o corpo, o intelecto e a alma.

Se, no plano geral, essa decadente humanidade, que nunca foi humana, pode ser constatada e lamentavelmente descrita, imagine nas cercanias do Brasil profundo? Por esses lados o pauperismo é ainda mais grotesco, capaz de provocar vertigem em quem ainda se faz portador do mínimo de um naco de discernimento e lucidez.

Por tudo isso, conhecimento nem sempre melhora uma pessoa. O que se faz com ele, sim, pode resultar em alguma coisa interessante. Mas, aí, já estamos no plano da ética, essa coisa que depende de um intelecto que se reveste de valor.

Bom... valor? Ah... aí já é pedir demais!!!