O lenço

Edson Gonçalves Ferreira

Há 20 vinte anos, minha prima Irani, com os olhos cheios de lágrimas, tirou de uma gaveta um lenço fino de seda, amarelo e amarelado pelo tempo e me disse que ele fora embrulhado no pescoço da minha bisavó Ana Rita, em Manhouce, pela mãe dela que era, também, portuguesa, mas de descendência -- parece -- espanhola e, depois, quando meu avô Manoel Gonçalves, aos 12 anos, veio para o Brasil, a mãe dela, minha avó, chorando embrulhou no pescoço do vovô Manoel.
Segundo consta, o lenço foi da minha tetra-avó cujo nome desconheço e, portanto, tem mais de 300 anos e, agora, está comigo.
Está bem fininho, quase desmanchando nas mãos. Foi usado pelas mulheres e homens da família Gonçalves durante séculos. Eles e elas usavam-no nas festas solenes, nos carnavais e, portanto, esse lenço carrega a história de gerações e gerações.
Guardo-o como relíquia e, agora, quando vou conhecer a Terra dos meus avós e, talvez, me encontrar com parentes que nunca vi, o lenço ganha mais preciosidade. Ele está guardado, muito bem guardado no meu guarda-roupa e, agora, estou decidindo para qual sobrinho meu entregarei o lenço. Sim, entregarei com os olhos cheios de lágrimas, porque sei que estarei marcando outra geração, ciente de que minha juventude já não é tão plena.
Existem pessoas que não acreditam na preciosidade das coisas materiais. Elas só podem ser preciosas, não porque são feitas de ouro e prata, porque valem dinheiro, mas, principalmente, quando guardam a história da família como o meu lenço de seda que, às vezes, tiro do armário e coloco no pescoço e, então, parece que, magicamente, o tempo não existe como Einstein descreveu.
Com o lenço doirado em volta do pescoço, voltou trezentos anos e contemplo meus antepassados novinhos, sorrindo pelas vinhas de Portugal de onde meu avô veio. Que o sobrinho escolhido tenha a mesma veneração por esse lenço que, por milagre, através três séculos e chegou nas minhas mãos.


Divinópolis, 21.06.09
edson gonçalves ferreira
Enviado por edson gonçalves ferreira em 21/06/2009
Reeditado em 27/04/2011
Código do texto: T1659771
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