RADIOTÉCNICO

Meu avô foi a primeira pessoa a possuir um rádio naquela região. Era um rabo-quente GE cuja história já contei aqui. Pegava até o estrangeiro!

Eu ficava doidinho para saber como aquilo funcionava. Não fazia a mínima ideia e ficaria assim para sempre, pois o velho não deixava nem tocar o dedo naqueles botões.

Um dia vovô foi ao Rio. Era um roceiro metido a besta, para os padrões da época. Esteve na Rádio Nacional. Quem é da época atual não faz ideia o que foi aquela estação de radio. Dentro das devidas proporções, ela era o Plim-Plim de hoje. Até aí nada de anormal: viu os artista cantarem e nhenhenhém... Mas o que me assustou e me deixou mais intrigado ainda com o rádio foi dele ter contado existir um microfone que tirava a voz do locutor ou do cantor e engolia, segundo palavras próprias. A gente só via a boca dos caras mexer e nada de voz que somente saía pelos auto-falantes ou pelo rádio.

Me entortou. Aquela voz que eu ouvia no rádio era a mesma que o microfone lá no Rio engolia das pessoas. E daí? Como aquela fala ou cantoria chegava até ali?

- Vinha “pelos ar” e entrava pela antena, diziam. Tudo muito claro para mim. Mais didático, impossível.

Um dia li, na revista Vida Doméstica, a propaganda do Curso Monitor em São Paulo que ensinava eletrônica e por correspondência. Meu Deus! Era do que eu precisava. Fui conversar com papai se ele pagaria o curso para mim.

Um não curto e grosso. E justificou:

- Se você aprender esta besteira de consertar rádio vai largar os estudos e não vai formar para médico!

Presumo não ter o dinheiro e inventou aquela história de largar os estudos. De qualquer maneira não consegui desvendar o segredo do rádio.

Terminei o curso ginasial e fui para Niterói fazer o científico. Mas teria de trabalhar e consegui um emprego no SENAI, localizada no Barreto. Pagava a pensão na casa de um tio que morava perto e o colégio. Sobrava alguma coisa e eu torrei no curso Monitor.

Respondi as provas sem cola e durante aquele tempo recebi umas ferramentinhas furrecas, aparelhos modestos de medição e peças para montar circuitos simples. Quando eu terminasse o curso e obtivesse o diploma, poderia adquirir um kit e montar um possante rádio. Isso aí! Eu iria descobrir o segredo!

Terminei tudo direitinho, mas havia um pequeno senão ainda não manjado: dinheiro para comprar o kit. Um primo que morava lá e acreditava em mim ou era um tremendo irresponsável comprou as peças. Quando aquele pacotão chegou, eu esfriei. Tinha muita coisa ali dentro, era um baita de um rádio de várias faixas e eu senti estar liquidado antes de começar. Mas, mãos à obra!

Talvez pela grande ansiedade, na noite seguinte em tive dor de cabeça, febre... Encurtando: não estava legal, estava doente. Ou quase! Comuniquei ao meu local de trabalho e mandei brasa na montagem do rádio. Como eu não tinha nenhuma oficina montada no jeito, trabalhava numa mesa existente na sala de visitas.

Bateram na porta. Fui atender. Um senhor de óculos, segurando uma pasta preta do tipo das usadas pelos médicos de antigamente, pergunta por mim. Identificou-se como sendo o médico do SENAI que estava ali para me visitar.

Caraca, mano! To no maior ferro! Eu nem imaginava que eles mandariam um médico para confirmar a doença. Verificou a minha temperatura, olhou minha garganta, abaixou as minhas pálpebras para ver se estava opilado. Tudo isso no maior silêncio. Eu estava no mato e sem cachorro. Honestamente, não estava mal o suficiente para ter faltado ao trabalho; era só a vontade de montar aquele puto rádio.

Mas aí ele se interessou pelo que eu estava fazendo e desandou a fazer perguntas sobre aquela montagem. Agora, como falava o velho! Ah! Deitei o cabelo! Mostrei tudo para ele com detalhes. Eu estava na minha roça, companheiro!

Ele então me perguntou quanto tempo eu gastaria para completar o serviço e respondi-lhe que mais um dia, se não houvesse algum contratempo. Logo depois, escreveu alguma coisa num papel timbrado, entregou-me e saiu, dizendo que tinha muita vontade de ouvir aquele rádio funcionar. Fui ler o que estava ali. Deu-me três dias de folga, mais o sábado e o domingo, cinco dias para eu terminar a empreitada falida, foi isso que deduzi.

O bestalhão daquele médico estava achando ser o rádio o doente; já nasceu morto, não ia funcionar e eu precisaria de todos aqueles dias. Filho da mãe! Agourento! Ele vai ver... espere só!

No dia seguinte terminei. Conferi tudinho como recomendado, introduzi o plugue na tomada, liguei e o bicho quieto... quietinho. Mudinho, mudinho! Nem um suspiro! Desliguei e fui fazer uma verificação, só que agora muito pra baixo! Praga daquele doutor.

Praga nada; sorte! De cara vi que havia uma válvula espetada no lugar de uma outra. Ainda estavam muito quentes, mas protegi a mão e as troquei de lugar.

Liguei novamente. Acenderam as lampadinhas do dial no ato; as válvulas demoram um pouco mais, mas daí a pouco começou um zumbido no alto-falante. Heureca! Girei o botão de sintonia e a primeira estação entrou forte. Agora, somente pequenos ajustes aqui e ali e tudo estaria nos trinques.

Levantei da cadeira, caprichei e mandei uma sonora banana para o doutor:

- Aqui, ó! Natimorto é a avó, a mãe e todos seus parentes! Azarento! Cabrunco!

Dbadini
Enviado por Dbadini em 21/06/2009
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