Quero viajar dentro da caixa preta

Pensando bem, esse negócio de viajar de avião é o cúmulo da confiança. São tantos os fatores de risco que, dizem, estão controlados, que se eu os conhecesse mesmo acho que não me arriscaria voar numa geringonça daquelas. Se acontecer um problema não vai adiantar me pedir para não entrar em pânico. Se cair...adeus mundo cruel! Se for só um susto pode ser o suficiente para morrer de medo.

Outro dia viajei ao lado de um senhor com aspecto muito humilde. Talvez não soubesse nem ler e escrever. Fiquei prestando atenção. Ou ele disfarçava bem a tensão, ou realmente não estava com um pingo de medo. Confiança total. Parecia que estava sentado no lombo do seu cavalo, trotando pelas carroçais do Cariri cearense. Tranqüilo que nem bichano de solteira. Imaginei: esse cidadão, analfabeto, não tem a mínima noção de mecânica, nem de aviação ou sequer algum conhecimento de física. Não tem idéia de como esse troço consegue voar, mas está ali, sentado, confiante, todo enrolado no cinto de segurança que quase não conseguiu colocar. Olha pela janela, vê as nuvens e não esboça o menor temor. Vêm as turbulências e ele firme na cadeira apertada do 727. Acho que ele não assiste aos noticiários de TV – pensei. Com as últimas noticias sobre acidentes na aviação eu não consigo evitar um pequeno receio imperceptível do lado de fora e um imenso pavor ululante do lado de dentro de mim. Eu não entendo nada de física. Só estudei um pouco na época do vestibular, mas é o suficiente para me gerar um monte de desconfianças. De mecânica entendo somente que máquinas quebram imprevisivelmente, e nas horas mais inconvenientes. Por inúmeras vezes tive que interromper viagens de carro por causa de defeitos mecânicos. De aviação entendo bulhufas, mas sei que os pilotos vacilam de vez em quando. Só muita confiança, meu Deus do céu! Muita confiança. Confiança não sei nem em quê.

Olha que já voei muito. Desde criança. Para seu governo já viajei no Electra II da VARIG e no Caravelle da Cruzeiro do Sul na década de 60. Viajei de Bandeirantes, Brasília, monomotor, Air Bus, Boeing e até no temido Fokker-100. Conheço quase todos os aeroportos desse imenso Brasil e fiz longas viagens para o exterior. Tenho mais horas de vôo do que o Lula e FHC juntos...Tá bom, exagerei um pouco, desculpe. Mas apesar de ser bastante viajado, confesso que os últimos acidentes aéreos me deixaram abalados. Na verdade eu não tenho medo de avião, nunca tive, apenas fiquei com medo da queda dele.

Na mais recente viagem a moça me perguntou onde queria viajar, na frente, nas asas ou na parte de trás da aeronave.

– Na caixa preta – respondi. Quando o avião cai é a única parte que dizem ficar inteira e aquela que todo mundo quer encontrar.