Imagem: Édipo e a Esfinge - Jean Auguste Dominique
Música: Die Zufriedenheit - Mozart

 
 
A necessidade do mito
 
 
A humanidade sempre escolheu um modelo como exemplo ou justificativa. Esse modelo pode ser criado pelo imaginário ou mesmo ser real. A Grécia antiga, a civilização Celta, o antigo Egito, a Roma antiga a Índia e outras tradições compõem um grande exemplo de imaginário criativo. Lendas, parábolas, obras épicas e outros tipos de trabalhos literários formaram o amálgama das tradições religiosas e culturais daqueles povos. Apesar de extinta a tradição antiga, muitos mitos nos dias de hoje ainda são objetos de estudos na psicologia, na filosofia e são retratados em muitas formas de arte como na literatura, pintura, escultura e outras.
 
Esse modelo chamado mito foi muito bem denominado pelo grande estudioso do comportamento humano Carl Gustav Jung como inconsciente coletivo, como arquétipo, ou seja, um modelo. É a camada mais profunda da psique humana e é constituída pelos materiais que formam herdados da humanidade. O mito não é moda, a moda é precocemente sepultada, também, o mito não é um ídolo, o ídolo nasce da idolatria e da carência elementar do ser  humano, enquanto o mito é uma herança da humanidade.
 
Existem vários paralelos na mitologia, um modelo é muito parecido com o outro, o que muda é foco da narrativa. Assim é com Édipo e Mordred, um na mitologia Grega e o outro na mitologia Bretanha, ambos predestinados a ferir de morte seus próprios pais. Da mesma maneira existe um paralelo entre a lenda de Tristão e Isolda e a tragédia Romeu e Julieta. Falar que tragédia de Willian Shakespeare Romeu e Julieta é uma cópia da lenda de Tristão e Isolda não é verdade. O amor impossível é um ícone que representa vários sentimentos humanos, o mais comum nesse caso são os sentimentos de compaixão, piedade e identificação.
 
Além da grande criação de Shakespeare a arte é farta em mitos, Fausto de Goete, Don Quixote de Miguel de Cervantes, La Gioconda de Leonardo Da Vinci, O Moisés de Michelangelo, e tantas outras que se tornaram mitos. Existe belíssimas obra de grande qualidade artística, que não são transformadas em mitos. Para uma obra de arte se tornar um mito ela tem que transcender a racionalidade criativa do artista. Tem que fazer parte da camada profunda da psique humana.  Outra função da obra mítica é despertar emoções profundas, servir de exemplo, de modelo e não se perder no tempo. Aliás, o mito não se perde no tempo, quando ele está cansando, uma nova representação é recriada, com uma nova narrativa, como uma apresentação diferente, mas, encerrando a mesma mensagem.
 
Na história da humanidade várias pessoas foram transformadas em mito como Gandhi, Martin Luther king e tantos outros. São pessoas que gozam do privilégio da mortalidade da matéria como qualquer pessoa. O que o mito humano tem de diferente é a sua sintonia com o Universo, com o todo e não com somente com as partes. Ele consegue fazer uma leitura da psique coletiva e reconhecer as dores e os sonhos de um determinado povo, a partir daí, dores e sonhos são os seus instrumentos de luta. O mito não tem um caminho fácil, sim um caminho de sacrifício (sacro+ofício), pois, não existem exemplos a serem deixados sem uma conduta exemplar e sem trabalho.    
 
Na atualidade vivemos uma escassez de mito. Nos últimos 50 anos a humanidade não teve o privilegio de ver surgir um grande mito. A sociedade do consumo, da lei do menor esforço, do levar vantagem em tudo reduz a possibilidade de aparecimento de novos mitos. Quando chegamos à situação em que vivemos nos dias de hoje, temos duas possibilidades. A primeira, extremamente perigosa, é cultuar falsos mitos, eles aparecem aos montes em situações de crise. A segunda, estudar os mitos antigos, aprender com eles e preparar uma nova apresentação de mito. É a mais correta.
 
O mundo meramente humano sempre será povoado por mitos. O mito é um exemplo, um modelo, e acima de tudo, a transcendência possível. A humanidade necessita de mitos para superar as dores e, principalmente, para poder sonhar.

http://oficinadafelicidade.com.br


Roberto Pelegrino
Enviado por Roberto Pelegrino em 23/06/2009
Reeditado em 29/05/2012
Código do texto: T1663331