São João em família: ainda bem que não acabou...

"Mandei plantar

Folhas de sonho no jardim do solar

As folhas sabem procurar pelo sol

E as raízes procurar, procurar

Mas as pessoas na sala de jantar(...)

São ocupadas em nascer e em morrer[Panis et circenses Caetano Veloso/Gilberto Gil]

A descaracterização de um festejo tão tradicional me causa espécie.Sou da opinião de que expressões populares, como os festejos juninos, não podem se resumir a mega eventos, ícones da ganância e do mau gosto de governantes e empresários que fazem da política do PÃO E CIRCO seu lema. Aliás , só circo, porque pão cada um que fermente o seu...

Fico indignada, quando tenho conhecimento das cifras astronômicas, bancadas com dinheiro público, que se paga por este "circo de horrores". As necessidades básicas da população(saúde, educação, assistencia social...) negligenciadas e a gastança descarada, sob a desculpa do lazer, agredindo a cidadania, desrespeitando nossas raízes. Há honrosas excessões, claro.

Mas, ainda bem que o amor pelo São João é cultivado em casa, no seio das famílias. Logo cedo, da cozinha os cheiros e sabores da infância, sempre presentes em ocasiões assim. As "comidas da alma"* aguçam todos os sentidos: o vapor do milho cozido, o aroma adocicado do cravo e da canela na canjica macia e deliciosa, o cuscuz de tapioca, os bolos, uma apoteose de texturas, aromas e sabores únicos.

A mesa junina do nordeste é assim, exagerada, mas feita com todo amor pelas coisas da terra.O que se come e bebe é sempre de escolha e preferência dos donos da casa. Por isso, em cada lugar, as variações do cardápio são uma surpresa, porém, a base da maioria dos pratos são o milho verde, abundante nessa época do ano e a mandioca, indispensável no preparo das delícias da mesa típica nordestina.

E já que descrevi uma "paisagem" comum do interior, junte-se a isso montanhas de amendoim cozidos, laranjas( estive em Alagoinhas, Bahia, terra da laranja, aproximadamente 120 km de Salvador), licores de tantas cores e sabores o quanto se pode imaginar, uma fogueira acesa, meninos e meninas soltando fogos sob o olhar atento dos adultos, amigos e parentes que chegam e enchem a casa de risos, de notícias dos que não vieram, de felicidade...

Ainda bem que a disposição e a alegria de minha familia, das familias de um modo geral, preservam o que resta da tradição dessa festa tão importante para o povo brasileiro, em especial, o nordestino. Trago lembranças muito especiais e saudades imensas dos festejos juninos da minha infância, que jamais deixavamos de comemorar.

Ainda bem , porque no coração e na alma de meu filho, de suas primas e primos e de cada criança que brincou ao pé de uma fogueira junina, este foi mais um momento mágico que, certamente, vão querer, como eu, repetir ao longo de suas vidas.

“Comida da alma é aquela que consola, que escorre garganta abaixo, quase sem precisar ser mastigada... Dá segurança, enche o estômago, conforta a alma, lembra a infância e o costume...” Nina Horta

Brasília, 26 de junho de 2009