HISTÓRIA DE UMA PAIXÃO - O HAICAI

Nos meados do ano de 2004, fui assistir à solenidade de posse de acadêmicos e aniversário da Academia Mageense de Letras -Magé- RJ., a convite do seu presidente, o saudoso poeta, escritor e historiador Reinaldo José Ferreira. Ao final, no momento do coquetel oferecido, fui apresentada a Antonio Seixas, advogado, poeta, escritor e historiador, que me disse ser também haicaísta. Perguntei-lhe o que era ser haicaísta. Então ele me falou sobre o pequeno poema de origem japonesa e me entregou um cartão de visitas, que ainda o guardo comigo, com o seu endereço e o site www.universodohaicai.vilabol.uol.com.br, para que eu pudesse pesquisar sobre o assunto.

Aquele instante, foi a primeira vez que ouvi falar em Haicai. Levei o cartão para casa, mas, estava sem internet. Fiquei bastante curiosa para conhecer a novidade literária. Ainda fiquei pensando que não houvera feito um bom segundo grau, por não saber nada sobre essa literatura... Procurei, então, na minha Biblioteca, alguma fonte de pesquisa. Folheei vários livros do segundo grau. Somente num pequeno livro, de Norma Goldstein, sob o título “ Versos, Sons, Ritmos”, 3ª Edição da Ed. Ática, capítulo 9, encontrei o significado: “tipo de poema japonês, composto de 17 sílabas, distribuídas entre três versos apenas: O primeiro cinco , o segundo de sete e o terceiro de cinco sílabas. Originalmente sem rima, no Brasil vem sendo retomado de maneira rimada. Consiste na anotação poética e espontânea de um momento especial”. Leia “Infância”, de Guilherme de Almeida:

Um gosto de amora

comida com sol. A vida

chama-se “Agora”.

Procurei saber mais em diversos outros livros e nada mais encontrei. Apenas com essa leitura, seguindo as regras da técnica e o modelo do livro, na manhã de domingo de 08 de setembro de 2005, eu assistia a um programa do SBT, uma emissora de televisão, que aos domingos bem cedo, mandava ao ar um programa de um pescador repórter, que percorria os rios brasileiros ensinando a pesca e mostrando as belezas regionais. Em certo momento do programa vi o repórter deixar o barco ancorado, e entrar com o seu guia pela mata adentro, por íngremes trilhas. Disse estar em São Sebastião, região Norte de São Paulo.

Enquanto o repórter falava, o câmera, mostrava as ruínas do tempo do Brasil escravocrata. A região, cercada por uma floresta, escondia as ruínas de um grande casarão, separada por um muro também em ruínas, a senzala, com um cenário de cruz num grande terreiro, com o oráculo da 1ª Missa no Brasil, e mais todas as estruturas e alvenarias , o lugar do engenho de cana, tudo como da época, porém com a destruição natural e marcas do tempo. Fiquei deveras impressionada com a natureza daquele espaço do nosso Brasil... Todo aquele cenário visto do alto e lá embaixo, no vale, a encosta e o mar!

De cima da fazenda a visão do alto era maravilhosa, tanto do mar, da praia e do porto, aonde, segundo as palavras do repórter, naquela época chegavam os navios carregados de escravos e todos os suprimentos para os moradores da fazenda.

Este relato é de apenas uma belíssima reportagem de cerca de trinta e cinco a quarenta minutos, que mostrava a trilha, há muito tempo não utilizada dentro da mata brasileira, totalmente desconhecida, mas preservada pela própria natureza, sem a depredação humana. O local fora descoberto por um piloto que sobrevoara a região norte de São Sebastião, há mais ou menos quatorze anos atrás. Naquele dia, ele vira a clareira, mas no momento não pudera descer. Prometeu então a si mesmo, voltar em outra ocasião, numa visita e com preparo para filmar. O piloto ficou impressionado com o que restara da fazenda, que mais parecia uma cidade no meio da mata, e lá embaixo, o mar numa encosta, onde dava para ver quem chegava. Imaginou ver os barcos que traziam os escravos e a chegada de qualquer intruso, talvez, antes de poder avistar qualquer um dos moradores da senzala e da propriedade.

Depois de ver a reportagem, desliguei a televisão e fiquei com aqueles cenários, o da pesca dos mais belos peixes, daquela encosta, da caminhada do repórter na trilha, das flores do caminho, dos cipós, a exuberância da natureza por todos os lados e senti uma vontade enorme de fazer um Haicai, o tal poema, que fala da Natureza e a Natureza humana também, que de certa forma já tomara conta de mim. E corajosamente fiz o meu primeiro pretenso haicai assim:

Manhã de domingo.

Repórter mostra ruínas

do norte em São Paulo.

E mais este:

Domingo na TV.

Repórter mostra pesca

de peixes com rede.

Liguei para minha amiga Benedita Azevedo e contei-lhe que estava tentando fazer o poema Haicai. Ela ficou toda entusiasmada e falou que viria em meu escritório, assim que pudesse. E ela veio ao meu escritório, conforme me prometera! Assim que começou a ler o meu caderno, fez as correções ao lado dos poemas escritos:

Manhã de domingo.

O guia mostra ruínas

na mata em São Paulo.

Pescador ensina,

no início da Primavera

a pesca com rede.

Falou-me da presença do kigo ou termo de estação do haicai, do momento do haicai (do aqui e agora) e alguma técnicas que me passou, com a maior boa vontade, que guardo em anotações com sua letra, a lápis, como recordação.

Naquele mesmo mês, no dia 25 de setembro, precisamente, fui convidada para ir ao aniversário do Presidente da Academia, o Sr. Reinaldo. Chegando lá conversei com a escritora Benedita sobre o Haicai, e ela me passou novas técnicas. Fizemos junto com a Srª Dorcas, o seguinte Haicai em homenagem a Reinaldo:

Amigas no haicai.

Vinte e cinco de setembro

Festa no Reinaldo.

Arrisquei a fazer um haicai sozinha, que ficou assim:

Casa do Reinaldo.

Amigas fazem haicai

na Primavera.

Rimos a valer e fiquei muito feliz e até lemos o haicai na Roda Literária. Benedita Azevedo me parabenizou e me incentivou a estudar o Haicai, presenteando-me com um dos seus livros: Nas Trilhas do Haicai. Agradeci ao carinho e a boa vontade da querida escritora que me mostrou as trilhas do Haicai. Sou-lhe muito grata por não ter deixado o meu entusiasmo morrer, pela falta do conhecimento.

Depois daquela tarde, li ávidamente o primeiro livro recebido da escritora, e pesquisei no site www.kakinet.com. Continuei fazendo as minhas tentativas nos momentos de folga, nas madrugadas e principalmente nas caminhadas. Observava tudo!... Andava com muito cuidado para não pisar nos insetos, nas formigas... Observava as frutas maduras ou sementes caídas no chão; as aves, o esvoaçar das abelhas e borboletas; o canto dos pássaros, a água mansa do riacho, o nascer do sol no alvorecer, a flor silvestre à beira do caminho... Saía às seis horas da manhã de lápis e caderno na mão, ía anotando as frases para concluir em casa. E assim eu me deliciava nas trilhas da Ilha, onde fazia a caminhada:

De manhã na Ilha.

As borboletas sugam

o néctar das flores.

Depois dos primeiros passos (eu ainda me atrapalhava na hora da elisão das vogais), continuei dali para frente com o meu interesse pelo Haicai, e a escrever diariamente. Enviei o meu primeiro Haicai para o Caderno Zashi, no Jornal NippoBrasil, que edita a página Haicai :

Início de outono.

Desabrocha no jardim

O cravo branco.

Depois enviei outros haicais para o jornal e o meu primeiro Haicai publicado foi:

Súbito aparece

sobre a verdejante Serra

a densa neblina.

De posse do Jornal NippoBrasil, comecei a ler também as colunas de História de Haicai e Pétalas ao Vento, coluna do Edson Kenji Iura, no Jornal NippoBrasil, que muito me ajudaram a compreender as técnicas do Haicai.

Em março de 2007, comecei a participar do site do Manuel Fernandes Menendez, Seleções em Folha, mensalmente com alguns haicais também selecionados, para minha satisfação. Em sua Seleção também pude aprender novas técnicas para o Haicai. Os primeiros haicais publicados nela foram:

Sacas de grãos, cheias!

da colheita de café.

Catador feliz.

Belo resplendor!

Alvura da Flor de chá

cobre toda a cerca.

Dali para frente passei a receber convites para participar em Concursos, como exemplo o Concurso de Haicai Irati 100 Anos, promovido pela Prefeitura de Irati e pela da Academia de Letras, Artes e Ciências do Sul do Paraná (ALACS), 22 de 0utubro de 2006, onde conquistei o 5º lugar, com o haicai:

Lembranças de lá...

Chá de ervas de Irati,

dentro da chaleira.

Comecei a freqüentar reuniões em São Paulo, a participar de Encontros com os haicaístas no Grêmio Ipê de São Paulo, no Colégio Santo Agostinho, fui apresentada a Teruko Oda e Edson Kenji Iura, líderes do Grêmio, e a Alberto Murata, entre outros. Na Confraternização de Haicaistas no Sítio Bugre, reunindo o Grêmio Ipê e de outros Grêmios convidados, eu estive presente, e o meu sekidai (haicai feito em 20 minutos) obteve o 1º Lugar. Lembrando também que a Benedita tirou 1º Lugar com outro tema (kigo). Com a presença de muitos haicaístas, inclusive o mestre H. Masuda Goga, quando tive o privilégio de conhecê-lo, grande mestre fundador do Grêmio Haicai Ipê, que seguia fielmente os ensinamentos do seu mestre Bashô.

Participei da fundação do Grêmio Haicai Sabiá, na Praia do Anil – Magé –RJ, e sou membro do Grêmio de Haicai Águas de Março, na cidade do Rio de Janeiro, ambos fundados com outros poetas e coordenados por Benedita Azevedo.Temos livro editado pelo G.Haicai Sabiá, de oficina realizada nas Escolas da região, no ano de 2008, com haicais de alunos, dos quais fui professora.

O tempo foi passando e a cada dia minha paixão pelo haicai foi também aumentando, sem que em nenhum momento eu ficasse desanimada, pois essa atividade sempre foi prazerosa para mim.

Quero externar neste espaço minha eterna gratidão a Antonio Seixas que, ao me entregar o seu cartão, aguçou minha curiosidade sobre o Haicai. Foi a primeira largada. E agradecer à amiga Benedita Azevedo, a grande incentivadora e professora de Haicai, que me deu a luz que precisava para enxergar o caminho, este horizonte lindo, com as técnicas para criar e produzir o haicai, que antes e agora só depende de mim mesma, isto é de minha vontade, sensibilidade e dedicação. Continuo a estudar e a escrever os poemas Haicais, com amor.

Aprofundar-me na história do Haicai, dos seus mestres, e das suas origens, devem ser a minha meta, para que eu possa crescer e melhorar os meus pretensos poemas Haicai. Quero estender meus agradecimentos e minha gratidão a Edson Kenji Iura, Teruko Oda e Alberto Murata, que de braços abertos me acolheram no Grêmio Haicai Ipê, em reuniões e Encontros, e a todos os amigos que não pude citar os seus nomes e que fazem parte dessa História de uma Paixão - O Haicai.

Esta é uma história real, do meu primeiro contato e experiências com o Haicai, este poema curto, que há quem os ache sem graça, mas que para tantos como eu, é uma grande Paixão!

Magé,08 de dezembro de 2008.

Iraí Verdan

E-mail: evlinday2000@yahoo.com.br

Iraí Verdan
Enviado por Iraí Verdan em 26/06/2009
Reeditado em 14/07/2009
Código do texto: T1668239