Florzinha

Ela é uma coisinha. Daquelas assim, engraçadinha, graças aos generosos deuses. Com um pé na América Central, tem os olhos puxadinhos, que se fecham quando sorri. Multifacetada. Madura de assustar na hora de falar da minha vida. Adolescente, por vezes, cuidando da própria. Mas disso eu soube depois.

Passou com uma amiga de parar o trânsito. Mas foi nela que meus olhos se fixaram. Parou para cumprimentar um amigo que estava sentado conosco no bar. E foi embora, toda menininha. Toda patricinha. Toda charmosinha.

Mas essa não é a historia curta e grossa da florzinha de um canteiro bem cuidado. É a de um jardineiro que gosta das flores difíceis de cuidar. E não sou eu esse jardineiro. Foi meu amigo ele, um irmão. Hoje é desafeto.

Depois desse dia no bar, no nosso segundo encontro marcado, começamos, eu e a florzinha, um namoro que, se para ela foi apenas mais um, para mim foi como um refrescante martíni seco no verão novaiorquino. Uma delícia. Que não bebemos todos os dias. Mas a taça esvazia, o verão dá lugar ao outono, o avião decola de volta ao Brasil, a roda gira, o tempo passa. Passou. Fiquei com o gosto da bebida na boca. E só. Feliz da vida por ter sido íntimo, breve e efêmero. Ficou em mim como aquela cicatriz boa de mostrar.

De volta ao jardineiro...

Casado. Um filho. Os pais, um casal porreta. Uma irmã para casar comigo, de tão formosa. Família feliz, para quem somente olha a fotografia. Uma fotografia que não conta a história de um longa-metragem. Resolveu pular o muro por causa da minha mais recente ex-namorada. Ela ainda pediu minha aprovação. Dei meu "nem sim nem não". A vida dela não era minha. A dele também. Tudo muito óbvio. Os riscos eram deles e não meus. Isso é claro e definitivo.

O caso sério veio depois. Semanas depois. O meu amigo, irmão, conhecido jardineiro, teve uma crise de ciúmes. Imagino ter beirado o abismo colérico. Na verdade, creio mesmo que o ciúme que sentia era de mim. Ela só acentuou isso. Rompeu comigo, sem quaisquer palavras. Imaginou que eu o havia traído com minha ex-amada. De boa! Adotou sua verdade deturpada como a única possível. Eu não tinha feito nada que pudesse justificar criticas e descontentamento. Eu não tive qualquer culpa. E mesmo que tivesse, sou solteiro, ela também e ele não.

Outras flores vieram. O episódio da florzinha ficou para trás. O jardineiro se reaproximou mas, agora, não mais como um irmão. Apenas um "ex-cunhado" chato e invejoso cuja companhia incomoda. Entretanto, sempre que encontro a irmã dele, abro um sorriso de orelha a orelha. Pena que ela tem compromisso e meu eterno respeito.

A florzinha? Tem desabrochado e enfeitado outros jardins. Pétalas sempre muito frescas.

Márcio Ribeiro
Enviado por Márcio Ribeiro em 27/06/2009
Reeditado em 06/07/2011
Código do texto: T1669868