"Me engana que eu gosto"

Em meados do século passado, Mokiti Okada, o Mestre, já deixou bem explícito o quanto o ser humano tem de capacidade em dissimular e de se desvencilhar das responsabilidades, procurando mascarar ou deturpar os fatos que lhe sejam comprometedores, dizendo: “O maior erro que existe no pensamento dos homens civilizados da atualidade é a mania de atribuir ou transferir todas as culpas para terceiros”. Esta afirmativa continua sendo bem atual, exprimindo com muita coerência uma verdade incontestável – essa particularidade dos indivíduos também tem contribuído, e muito, com a desordem mundial, com o caos societário, com a desesperança dos povos, com o efeito estufa, enfim, a falta de coragem e de um mínimo de decência, somados ao excesso de “caras-de-pau” por todos os cantos, incluindo-se aqueles que deveriam assumir responsabilidades até sobre os destinos de uma nação, só poderia chegar na baderna “organizada” destes nossos tempos.

A desfaçatez do homem é tão evidente, que ele não se apercebe o quão de insensato estamos presenciando no cotidiano, ao interpelarmos alguém que esteja se autodestruindo, por exemplo, pelo uso do fumo. Esse cara sempre vai achar uma saída para se justificar perante os demais, mostrando uma razão plausível, desculpável, por ter caído no vício, muitas vezes jogando a culpa em outrem pela sua conduta. A coisa é tão séria que existe uma passagem hilária a respeito – alguém pergunta ao fumante inveterado se ele tem o conhecimento de que o cigarro o está matando aos poucos, ao que ele responde: “Sim, eu sei, mas não tenho pressa de morrer”. Ora, esse infeliz também deve saber que o seu vício está afetando a saúde dos seus semelhantes ao redor, está incomodando àqueles que têm baixa tolerância à fumaça do tabaco, está onerando os cofres públicos com gastos de tratamentos de doenças respiratórias e vasculares, está deteriorando os órgãos previdenciários, por intermédio de afastamentos ou até de aposentadorias por invalidez. Pior ainda é o tremendo prejuízo à sociedade, causado pelo imbecil que se enfia no caminho sem volta das drogas alucinógenas; as consequências são ainda mais destruidoras à coletividade, fomentando a violência, a miséria, a falência da saúde pública, o caos. Não nos esqueçamos também do alcoólatra, que é outro especialista em enganar a si mesmo, criando constrangimentos mil à sociedade.

No campo de relacionamento entre os empresários e os órgãos governamentais existe a institucionalização de algo muito mal cheiroso, que é a prática do “faz de conta” – o empresário faz de conta que recolhe todos os impostos devidos, enquanto o governo faz de conta que fiscaliza essas transações – e vejam que, tanto um como outro apresentam as suas justificativas pelos tais atos, com alegações indecentes, feitas com a maior “seriedade”, dando mostras de total desrespeito para com os demais contribuintes, que pagam seus tributos e financiam essas “maracutaias”.

Algo muito engraçado, embora seja triste, podemos constatar com o hipocondríaco, cuja preocupação principal é procurar amenizar a opinião dos outros, com relação ao seu desvio de conduta autodestrutivo, alegando que os remédios representam o resultado da alta tecnologia científica atual e que, principalmente, eles são fabricados com a “permissão de Deus”, portanto não pode haver nada de errado o fato de sairmos por aí nos empanturrando de elementos químicos tóxicos, como se fossem a luz da salvação; acontece porém, que tudo aquilo que não faça parte de uma ação natural, cria um desequilíbrio orgânico, de proporções imprevisíveis. _A quem ele está querendo enganar? A permissão vinda do Alto é completa e irrestrita, haja vista, como exemplo, a fabricação das bombas nucleares, logo não será por isso que vamos explodi-las “sem mais aquela” – tudo fica subordinado ao livre arbítrio de cada um, cuja resposta oriunda do mundo espiritual irá mostrar o erro ou o acerto da escolha feita. Por essas e por outras é que posso estufar o peito e dizer: “_Me engana que eu gosto!”

Moacyr de Lima e Silva
Enviado por Moacyr de Lima e Silva em 28/06/2009
Reeditado em 19/10/2010
Código do texto: T1671935