Louco de casa fez milagres

Todos os loucos são felizes. Os normais são infelizes cada um a sua maneira. Dizia sabiamente vovo. Sabiamente parafraseando frases famosas. Aquele conhecimento libertador, a existência humana descrita numa frase, o saber instantâneo. Mesmo que a considere gênio esse é o inicio daquele romance Ana Karenina. Vovo tinha umas sacadas ótimas, mas tudo tinha uma origem não original nela. Mas a sacada era ótima pelo vovo, desde que bateu cabeça, coitado não pensa direito. Acha agora que é um pássaro. Um cúrio pra ser mais franco. Já foi engenheiro lunar, médico espiritual, cozinheiro de eqüinos, artista plástico, enfermeiro de clinica fantasma, soldado romano. Queria que ele fosse advogado, disse que não pode porque é contra a religião dele. Quando ele era médico espiritual tinha medo porque falava com umas pessoas que eu não via. Difícil entender uma pessoa que manda dá bom dia a uma pessoa que tu não ver, são sabe a cor da camisa, se esta rindo ou chorando, se pisei no pé sem querer. Acaso estou falando mesmo em direção a pessoa ou ela andou pra esquerda e nem percebi. Acredito em tudo. Vai saber que é tudo verdade e a minha profunda ignorância ignora o ignorável ser de tudo. Tudo bem o mundo gira em torno do sol, o dia é o intervalo entre noites, as arvores desafiam a lei da gravidade, que nem tudo que toco e sinto é real, que a relatividade é relativa e a velocidade absoluta. Que sinto frio, fome, sede, que quando dói dói, que não sei pra que serve as coisas que possuo, que o fim é inútil. Mas vovo tem a certeza entranhando entre os olhos. Quando ele é é. Agora que é curió até ta pensando em pôr ovos. Não sei como ele consegue fazer isso, mas me deu um de presente enfeitado com umas folhas estranhas bastante entorpecentes que joguei fora. Duvidei que ele sabia voar, quando vi me desesperei, quero ser pássaro também. Bem que podia me dá de herança esse poder em fazer voar. Pode ficar com o carro, a casa, o dinheiro, os quadros impressionistas, quero apenas saber como se faz isso. Apenas o conhecimento de fazer voar já me fazia parte da família. Mas tenho motivos pra me decepcionar com a realidade. Porque pros outros tudo bem, mas pra mim não, sou injustiçado pela desrazão. O que diferencia é que alguns têm poderes enquanto outro não, isso me revolta tanto. Isonomia pra natureza acho que não há. Queria o direito de ficar louco se isso me autorizasse poder voar. Mas ficar louco fincado a terra não tem graça. E tudo devido aos dilemas da loucura, pois quando uma coisa é boa dura pouco. Não saberei como voar porque vovo não é mais curió. Agora é uma minhoca de praia. Adora atacar turistas, jogar areia no povo, vê-los correr. Ele é minhoca de praia e diz que não sabe ser outra coisa além. Ele me ensinou a importancia do sonho, que alguns se realizam. Mas é uma loucura solitária, como compartilhar um mundo onde nada sente enquanto outros afirmam que existe. Vovo não. Vovo é mais intelectualizada, cética e pratica, adora passar as tardes lendo os romances preferidos. Diz que conversa com o infinito. Tempera Kafka com arroz, mastiga bem Borges, prefere Dostoiesvisky com duas pedras de açúcar e Proust com gelo bem batido. Já foi a áfrica, conheceu nova deli e por duas vezes tentou subir o Everest. Ela teve essa vontade depois do que leu que havia esses lugares, pelas propagandas que consumiu de onde nunca conheceu daquilo que outros diziam e nunca experimentou. Curiosa e divertida. Ela me ensinou a dirigir, a dançar, a jogar vídeo game, disse que os livros de que ela colecionou a vida toda são meus. Ela me ensinou a impotancia de viver mais do que saber o que significa a vida. Já pensei que trocaria os livros pelo poder de fazer voar, mas sei que enquanto eles estiverem comigo ela sempre estará e nunca estarei sozinho, e quando não puder mais caminhar atrás de sonhos mais altos, meus pensamentos estarão sempre nas nuvens.

SB Sousa
Enviado por SB Sousa em 01/07/2009
Reeditado em 22/03/2011
Código do texto: T1676121
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