Amigo é pra essas coisas

“O amigo é a vossa necessidade satisfeita”, escreveu Kahlil Gibran. A frase me vem ao atender ao telefone e, pela voz, adivinho-o a sorrir. Encontramo-nos para a conversa de sempre, com as novidades que aparecem nos intervalos das ausências. Confidências, necessárias, pois ouvido de amigo é para isso mesmo: ouvir, ouvir e ouvir, e bobagens pra rir, que sem riso não há amizade que se sustente. O tempo é ventania, passa tão rápido que só é notado pela quantidade de coisas espalhadas na mesa. São muitos os relógios para medir encontros: os que marcam o tempo para as pessoas comuns, os que dão uma noção das horas para os amigos e os que tentam definir o tempo das pessoas apaixonadas.

Se entre casais o silêncio é necessário às vezes, raramente é compreendido, mas amigo que é amigo sabe muito bem quando é preciso ficar em silêncio, apenas, sem grandes demonstrações de solidariedade, de compreensão, porque é uma solidariedade mais bruta, é uma compreensão mais franca e sem muitos cuidados de etiqueta ou espaço para melindres. Entre mulheres, homens ou pessoas de diferentes sexos. E saber disso e ter o amigo ou a amiga ao lado, naquele momento, quieto, compartilhando, basta.

Amigo sabe que tem de ser ombro para fazer jus à expressão, mas também sabe que tem de ser aquele que pega pelos ombros pra sacudir as bobagens da cabeça, as tristezas criadas, as desesperanças e os desconfortos adquiridos e que só um amigo compreende, mas tem o direito de contestar, erguer a voz, até. E isso só amigo pode fazer. Pais, mulher ou marido até acham que podem, mas normalmente não dá certo. A química é outra.

Amigo conhece, mesmo desconhecendo e, quando julga, não há maldade no julgamento, mas preocupação, assim como há preocupação quando a voz se levanta e dores são ditas.

Sente-se falta, saudade de amigo, mas o tempo se encurta tão rapidamente na hora do encontro, da notícia, que só um chavão explica: parece que foi ontem. E parece que foi ontem que compartilhamos tanta coisa com aqueles amigos que foram embora para a outra distância, a intransponível para nós, que ficamos. Parece que foi ontem, pois a lembrança sempre dói. Amigo é para essas coisas.