Destino ignorado

Encontrar respostas pra algumas ações equivocadas é desnecessário. Milhares de opiniões explicações já me convenceram o suficiente pra acreditar em muitas verdades. Já acertei os números da mega sena uma vez, 12 milhões. Apenas não esqueçam que sou brasileiro e deixando tudo para ultima hora cheguei atrasado e a lotérica que fechava mais tarde havia fechado. Fiquei com o boleto e o dinheiro da aposta pagou uma passagem para ir para casa. Sobrariam cinco centavos que terminei doando a um mendigo que não bebia uma caninha há dias no caminho para pegar o ônibus. No caminho do ponto existem vários lugares onde se pode beber um digestivo antes do jantar. Happy Hour de operário são essas barraquinhas estacionadas nos pontos de ônibus. São barracas estacionadas nas calçadas vendendo todo tipo de alimento suspeito. Saúde não é o que procura, mas o que é gorduro é mais gostoso. Alem da cachaça tem o chugatinho, se sabem o que é digo que considero um atentado a natureza, mas é muito gostoso, principalmente com pimenta. Alem dos cinco centavos que sobrariam da aposta que se tivesse feito o mendigo me pediu uma dose do que eu tava bebendo. Paguei também uma dose de cachaça pro cara e mandei ir embora pois precisava pensar um pouco. Não precisei refletir muito porque o ônibus já vinha e apressadamente num só gole mandei o veneno pro estomago e compreendo que poucos saibam como esse momento é torturante e assustador em todo depoimento sob efeitos de substancias diferentes da racionalidade. Realmente não penso muito quando preciso tomar uma decisão sem ter prejuízo em nenhuma das partes. Bebi e corri pro ponto de ônibus. Ainda deu tempo em acenar e pedi pra parar. Foram um e setenta bem gasto. Esse ônibus que peguei pra ir pra casa sempre me reserva surpresas. Pra começar sempre anda lotado. O único da cidade que anda lotado. Mas prefiro ir nesse ônibus que nos outros. É o único que anda lotado porque é o único que não está precário. Os outros das outras linhas é uma tortura, um constrangimento em estar usufruindo dos benefícios das descobertas de locomoção urbana. Este ônibus não, este ônibus sempre lotado as pessoas se engalfinham pra pegar. É um ônibus comum com dois funcionários, um para dirigir outro pra cobrar a passagem, colocar ordem, vigiar os costumes do povo e gritar pro motorista abri as portas, se tem passageiro ainda pra descer, apressar os lerdos. Uma cobradora talvez seja o motivo de tanto alvoroço por este ônibus. Ela é bonita demais. É aquela realidade idêntica ao sonho perfeito. A beleza apolínea em aparição terrestre. Acertaram em cheio ao contatar ela. O ônibus tem ate nome: destino ignorado, porque se pega sem saber pra onde vai, apenas pra ver a cobradora. E realmente não importa muito o destino, importa mesmo é ter o dinheiro da passagem. Tem muito passageiro que sempre vai pro destino ignorado. Entram sem saber aonde vão. Rodam o circular completo sem perceberem as ruas por onde passam, que bairros estão, se os prédios são bonitos, quantos postes têm aquela rua. Vão apenas para ficar olhando a paisagem da cobradora. Mas é bonita mesmo. É o código secreto entre os passageiros, um lugar de encontro, ponto de referencia. Vai pra onde, não diz a ninguém vou pro destino ignorado. Encontro-te lá no ponto final do destino ignorado. Moro na rua de baixo, aquela rua que passa o destino ignorado, sabe qual é. A empresa lucra apenas com esse ônibus, pois na verdade o transporte é patrimônio da cidade, direito de todo cidadão, e as empresas cuidam somente da satisfação garantida dos passageiros. Esse ônibus é o único que possui ar condicionado com o clima da minha cidade o calor é muito. Os bancos são sentáveis macios e confortáveis. O único com aspecto de novo. Os outros ônibus desrespeitam a dignidade humana. Fedem, os bancos são duros, desconfortáveis, quentes, pouco ventilados. O destino ignorado novinho com aquele cheiro de novo e o brilho dos brilhos brilhantes. O calor humano oferecido a solidão num dia de inverno rigoroso. Mas sempre lotado e com regularidade britânica, acerta-se os relógios pelo horário que o ônibus passa se forem quatro horas o destino ignorado aponta na esquina, as sete e meia pode ver que ele ta no ponto. Não me arrependo de ter pagado a passagem com o dinheiro da mega sena. De onde trabalho para casa são onze quilômetros e tinha dois motivos para não ir a pé: um que a cobradora estava com um perfume muito bom outra que meu joelho reclamou do tempo frio. No outro dia fui conferi os números sorteados, algo que regularmente faço. Quando olhei sabia que tinha acertado porque apostava sempre com os mesmos números. Já os tinha decorado são os mesmos duma variedade que sempre jogo. Eram os números exatos do bilhete e o premio foi acumulado pra outro ganhar. Não sabia que iria acertar em cheio justo quando fiquei impedido de apostar, sempre aposto desde que tinha dezoito anos, algo que me fez sentir que era maior de idade e nunca havia ganhado nem um centavo sequer iria ganhar justo no dia que não pude fazer a aposta. Anotar para jamais esquecer: nunca fazer disso uma memória. A lembrança me fazia sentir o quanto sortudo sou, deixei de ser milionário apenas porque queria olhar pra uma mulher bonita. Não me arrependo. Se acertei uma vez acerto de novo. Até lá sou obrigado a voltar pra casa pegando o destino ignorado.

SB Sousa
Enviado por SB Sousa em 05/07/2009
Reeditado em 05/07/2009
Código do texto: T1682975
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