Da terrinha, II - o banho de São João

Da Terrinha II -o banho de São João

Os pioneiros que chegaram à região da terrinha, migrando de Minas Gerais (a maioria) ou Bahia, trouxeram para cá todo o calendário das festas e costumes católicas. Entre esses costumes, estava o de levantar-se de madrugadinha para apanhar a água do córrego ou cisterna, banhar-se (muitos dos pioneiros não iam além de lavar o rosto, na verdade) e, aguar as plantas do jardim e quintal, pois acreditavam que aquela água era abençoada e, trazia saúde e vigor.

O tempo passou e, este costume foi desaparecendo silenciosamente, subsistindo apenas na prática de um ou outro morador da região.

Talvez como lembrança remota dos velhos costumes, começou a realizar-se na Terrinha o "banho de São João (cuja paternidade ou criação é atribuída ao Zequinha Bloquete, caboclo animado, imigrante da Bahia que há muitos anos, estabeleceu-se na cidade)", uma festa que não nada de religiosa, por assim dizer, e que consiste na juntada de um grupo de amigos para banhar-se na água gelada da madrugada do dia de São João, para depois seguir na festa, com muita (muita!) comida de rancho e, muita (muita!) bebida.

Aparentemente, parece uma bagunça, mas não é bem assim. É uma bagunça até organizada: Todo ano, durante a reunião do banho, é eleito o novo presidente e vice-presidente da festa, que ficam encarregados de convocar os participantes e, cuidar da farta comida a ser oferecida aos presentes. E a eleição ao cargo, é precedida de discurso e propostas.

A festa desse ano, estava a carga do "Cabo", tendo por vice o Zé Coco.

No dia do banho, tudo nos conformes. A turma se ajuntou e desceu em direção ao rancho do Zala. No meio do caminho, alguém se lembrou de passar na casa paroquial e, convidar o padre. Eram 04:00h da manhã, mas o padre aceitou o convite na hora!

Na chegada do rancho, depois do pequeno sermão e benção do padre, cada participante tinha que cumprir o rito: arrancar a roupa do corpo e, atirar-se na água cortante do mês de junho. Depois, tomar uma talagada de alguma bebida, para aquecer-se (caso em que podia escolher entre a variada oferta de bebidas, que começava na pinga de engenho, passava pela catuaba, passava pelo vinho e, acaba no uísque - ofertado mais à miúda).

Depois, era ficar perto do fogão, acompanhando o Zé Coco terminar mais uma de suas fantásticas tachadas de arroz com carne de galinha, enquanto ia beliscando um pedaço de carne de bode, que o "Cabo" havia ganhado para o festejo.

O padre Dionivaldo, recém chegado à cidade, carismático e instruído que só ele, estava bem integrado no meio da turma. De repente, viu João do Nelson botando uma dose de bebida no copo, para se aquecer e, perguntou: "João, que é isso aí?". João respondeu que era pinga da boa e, ele, não pestanejou em pedir um golinho, também, momento em que ganhou a simpatia incrédula de quem ainda nem o conhecia direito...

Num clima assim, a galhofa era geral. E a vítima principal dessa vez, foi o Chiquinho contador. Chegando ao ribeirão dos Moleques, resolveu tomar banho totalmente nu, num ponto mais abaixo. outros participantes, porém, tiveram a mesma idéia, inclusive o Santo (sobre quem publiquei duas crônicas, aqui).

Chiquinho bateu na água e, voltou para o barranco, todo encolhido e, tratou de cobrir as "vergonhas". De repente o Santo, que tinha saído da água momentos depois, começou a perguntar a gritar: "Gente, cadê minha cueca?"

O tempo estava meio escuro ainda, e o Chico, na pressa de se aquecer, tinha vestido a cueca do outro!

A partir dai, a galera não deu mais sossego a ele - nem ao Santo, com piadas e gozações...

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Depois que escrevi o texto, descobri que, em outras cidades brasileiras, existem banhos de São João (inclusive em Corumbá - MS, onde a festa local vai entrar até no calendário turístico local). Mas, pelo que li, o evento que descrevi acima tem suas características próprias...

(São João, festa junina, festa profana, banho)