Lampejo de uma paixão

Aquela senhora ali no aeroporto só podia estar voando. Não como quando se adentra a aeronave, mas como quem se engancha numa daquelas nuvens altíssimas, que minha filha diz ter o sonho de tocar com as mãos, e que eu tive de explicar a ela que esse sonho é ligeiramente complexo.

Eu estava justamente no Santa Genoveva, numa daquelas lojinhas caras pra burro, comprando uma camiseta “goianeira” pra minha filha, quando a senhorinha “voadeira” se postou do meu lado:

“Quanto ela está te cobrando, meu filho?”

Por um instante, pensei em que aquela mulherinha não tinha nada a ver com minha compra. Mas, por bom-mocismo, visivelmente preguiçoso, disse o preço. Ela danou a vazar impropérios: “Isso aqui é um prostíbulo, moço. A fachada é de aeroporto, mas é uma vilania sem par, nem piedade. Essa camisetinha por esse preção? Tu tá doido? Tua filha deveria recusar...”.

Caraca!..., pensei com minha janela sem botão: "Qual foi a cruz que eu joguei no penhasco desta vez?" Mas me fiz de flexível: “Senhora, isso aqui é uma vez na vida e outra na morte...”.

“Full time, que eu sei...”, ela me detonou. “Na vida quer dizer todo o tempo, sem parar”.

Não parecia néscia, mas cricri. Naquela altura? Demais pra minha cabeça. O pior é que se fez de. E lá tive de agüentar considerações sobre a vida atual, a loucura da internet, os bichos que estão sumindo dos humanos, os humanos que estão pior que os bichos e por aí foi até a abertura do portão de acesso ao avião, porque, não sei o que deu na velhinha, fui pego pra Cristo por ela, e num espaço do qual não dava mais para eu sair.

Ela é do tipo que não liga coisa com coisa, ainda que tenha um discurso lógico. E não ouve voz alheia; só vocifera, ininterruptamente.

Caramba! E isso foi até na despedida, quando ela me deixou algo no que pensar: “Sabe quando a gente fala melhor sobre aquilo que a gente é?” "Não", eu disse em resposta, meio a contragosto e com nenhuma vontade, para ela arrematar: “Quando abrimos nossos olhos até o fundo para que o outro possa parar e olhar”.

Já na embarcado, dei uma olhadinha para trás. Lá estava a velhinha falando com outro passageiro, na última fileira.

Enquanto acomodava o pacote para minha filha no compartimento de bagagem de mão, o qual ela não veio a recusar, fiquei imaginando com o botão que me apareceu na casa da camisa:

“Vai ver o mouco sou eu”.