A relação entre a política e a religião

Sei que este tema é bastante polêmico, mas não poderíamos deixar de abordá-lo em função de uma eleição que se aproxima e mais ainda em função da grande crise política que assola nosso meio desde 98, que foi descaradamente disfarçada pelos governos anteriores ao do PT, dando a impressão que ela só passou a existir a partir do governo Lula.

Outros aspectos importantes nos levam a fazer uma abordagem, mesmo que sucinta sobre esse tema como: o conflito internacional entre EUA e o mundo árabe, que não passa de uma capa para esconder o pano de fundo de um embate entre o Fundamentalismo Cristão Norte Americano versus o Fundamentalismo Mulçumano (tema que em uma oportunidade também iremos abordar), além do envolvimento de líderes religiosos nos esquemas de corrupção em todo o Brasil.

Fato é que nosso país mantém uma relação servil aos mandos do FMI – Fundo Monetário Internacional influenciando diretamente na manutenção de taxas de juros altíssimas para o rendimento de especuladores internacionais, índices de desemprego astronômico, uma política assistencialista e com interesses politiqueiros onde ‘se dá o peixe ao invés de ensinar a pescar’.

O Brasil tem uma elite profundamente imersa na ilusão primeiro-mundista, com raízes escravocratas, latifundiária e canavieira, sem compromisso com o social, ‘afinal de contas o mundo está globalizado, pensar no país de sua origem e na preservação de nossas instituições é um pensamento ultrapassado’. O neoliberalismo é um pecado social, porque rompe a harmonia entre as comunidades de uma nação e de todo um continente, ele baseia-se numa concepção economicista do homem, valorizando o lucro e as leis do mercado em detrimento da dignidade e do respeito à pessoa e ao povo e a globalização, é um sistema dirigido pelas leis do mercado aplicadas segundo a conveniência dos países mais poderosos, só não vê quem não quer ou está tirando muita$ vantagens disso.

Aí o leitor pergunta: e o que a religião, a Igreja, tem haver com essas mazelas sociais causadas em grande parte pela atual politicagem? Explico. O primeiro capítulo da Bíblia nos diz que nós fomos criados para viver num Paraíso e se não vivemos, a culpa não é de Deus, a culpa é nossa, porque nós abusamos da nossa liberdade e instauramos uma relação desigual entre os seres humanos através da opressão, através da exploração, através do sofrimento por causa da briga pelo poder... e nós vamos ter de resgatar esse Paraíso. Portanto é muito importante que, à luz da palavra de Deus, a Igreja denuncie esses pecados sociais e aponte esse sistema que está ai, que não é eterno e nem será, como nenhum deles foi no passado.

No tempo do Mestre Jesus, não havia a divisão entre política e religião, a divisão destas duas instituições fora conquistada com a modernidade, mas não podemos afirmar que Jesus não fez política, claro que não estou falando de política feita através de um mandato ou participação em partidos políticos, até porque há diferentes formas de se fazer política e interferir na sociedade, na busca de um bem comum, na busca de uma sociedade mais justa, e foi justamente esta proposta que o Mestre Jesus veio nos ensinar, temos que ser solidários, repartir o pão e assim deve ser a vida social.

Todos nós cristãos, querendo ou não, somos discípulos de um prisioneiro político. Jesus não morreu nem de hepatite, na cama, nem de desastre de camelo numa esquina de Jerusalém. Então, se nós somos discípulos de alguém que foi assassinado por razões políticas sob dois processos políticos, um movido pelos romanos e outro pela elite sacerdotal judaica, não há simplismo, ingenuidade ou má fé maior do que dizer que religião não tem nada haver com política.

Um fato interessante, e aquele que lê e estuda as Sagradas Escrituras, pode já ter percebido que, nos quatro Evangelhos, a pergunta feita ao Mestre: "O que devo fazer para ganhar a vida eterna?", nunca sai da boca de um pobre. Você pode analisar os quatro Evangelhos. Sempre sai de alguém que já tem assegurada a vida terrena e agora quer saber como investir na poupança celestial. É esta a pergunta do Doutor da Lei na parábola do Bom Samaritano, é a pergunta de Nicodemos, é a pergunta de Zaqueu... E o que os pobres pedem a Jesus? Mestre, o que devo fazer para ter vida nesta vida: Minha filha está doente, eu quero vê-la sã; eu não tenho um olho, preciso enxergar; minha mão está seca, preciso trabalhar; o meu irmão morreu, quero vê-lo ressuscitado... Os pobres pedem "vida" nesta vida, e a estes, Jesus atende com misericórdia e com seriedade, aos outro não, Jesus ironiza.

Outra passagem interessante é a que trata do jovem rico que procura o Senhor e o Cristo alerta para exatos seis mandamentos: “... não adulterarás, não matarás, não furtarás, não dirás falsos testemunho, não defraudarás a ninguém e honrar pai e mãe ...”(Mc 10:19). Ora, na verdade Jesus só cita seis mandamentos, os outros quatro, que dizem respeito a Deus não é mencionado. Ele só cita os mandamentos que dizem respeito ao próximo porque a proposta cristã é uma proposta onde quem se coloca diante de Deus e de costas para o próximo não entendeu nada. Mas quem se coloca diante do próximo automaticamente já serve a Deus, porque o próximo é a imagem e semelhança de Deus, é o sacramento de Deus. Não há como servir a Deus, no cristianismo evangélico, se não através do serviço do próximo. Não há meio termo. Se eu não sou capaz de ir em direção ao meu próximo, toda a concepção de Deus é equivocada. É a concepção de um Deus à minha imagem, semelhança e conveniência e não àquilo que o Evangelho me pede, que é ser capaz de amar ao próximo. E nisso o Evangelho é tão radical que no Capítulo XXV de Mateus Ele diz: "Eu tive fome e me deste de comer, tive sede e me deste de beber", veja, Jesus se coloca no lugar do oprimido, e fala: "Muitos dirão: Senhor, quando foi que te vimos com fome e com sede? A toda vez que a cada um destes pequeninos fizeste a Mim o fizeste".

Por isso, a religião tem sim haver com política, e o cristão não precisa se envolver de forma direta, basta seguir os caminhos ensinados do Mestre Jesus. Política ou se faz pela participação ou se faz pela omissão, mas não há ser humano que não faça política.

*Publicado pelo autor no Jornal Chico em 01.09.06.