O apagar do Tempo

Lembro-me que, pequeno, tinha um amigo-irmão. Sua face me é quase ausente pela catarata do tempo; seu nome, não. Chamava-se Rafael. Andávamos e, em caminho, discutíamos a filosofia prática do amanhã: poderíamos empinar pipa, ou não fazer nada; pouca razão fazia. Era importante que, juntos, contemplássemos o destino da vida e que, com nossas mãos, transformássemos as nuvens do céu em objetos. Nessa época – e só talvez nela – essas filosofias do amanhã eram tão práticas que viravam abstratas, pois simplesmente desapareciam. O hoje – não como hoje – era absolutamente denso e memorável. Ao ficar mais velho, Rafael perdeu-se. Nunca mais o defrontei (nem sua face, nem sua vida). O mestre Tempo levou-me tudo que era cabível, ao deixar restar um resquício de memória insolente. Não sei por que me veio essa história, nem donde: só precisava contá-la. A memória de Rafael – talvez – um dia se apague; o resplendor de minha infância, ainda que sem face, não.