Mania de escrever

Tenho mania de escrever desde muito jovem; todavia, nasceu com essa mania, uma idéia de que tudo que escrevesse deveria ser muito bom! Essa má idéia fez com que eu não desenvolvesse a arte de escrever; ninguém consegue crescer sem críticas ao seu trabalho. Poderia ter criado muitas histórias, contos, romances, mas, fiquei perfeccionista, diga-se de passagem, um perfeccionista sem méritos. Muito tarde, resolvi mostrar algumas coisas do que escrevia; algumas pessoas, geralmente amigas, acharam algum mérito nos escritos. Se eu considerasse o texto bom, guardava-o a sete chaves, para não ter críticas; sendo assim, perdi muita coisa do que escrevi todos esses anos, principalmente os da adolescência, com assuntos de política, prosa poética e poesia clássica. Com o tempo, entendi que não é importante se você escreve coisas com ou sem valor, mas, dar as versões do fato concreto ou da ficção, com ponto de vista próprio. Como se ouvíssemos a mesma música interpretada pelos mais variados artistas; cada um dá a sua versão. Como escrever bem é treinamento, quanto mais se escreve e quanto mais criticado, melhor o aprendizado. Por isso, autores contestados, como Paulo Coelho, que não contesto porque nunca li seus trabalhos, teve um livro selecionado como um dos livros do século. O mesmo se pode dizer de Gabriel Garcia Marques, que conheci pessoalmente em Cuba, que disse em entrevista, que hoje não seria capaz de escrever nenhum dos livros que lhe valeram prêmios. Com minhas pinturas e minhas esculturas deu-se a mesma coisa; negava-me a exibi-las para não ter críticas; com o tempo, passei a presentear amigos com trabalhos meus e, diga-se de passagem, amigos que os receberam com agrado e os colocaram nas paredes. O que me serve de consolo, é que as coisas que acho boas, de fato são boas, mas a imensa maioria não tem mérito. Hoje, deixei de me preocupar se o que faço é melhor ou pior do que outros fazem; o que importa, é deixar registrados fatos da vida, idéias, pensamentos e reflexões, sonhos, pesadelos, até mesmo, a literatura do nada! A propósito dos pesadelos, também, fazem parte da vida e compõem um quadro reminiscente, se me permitem a expressão. Colocava em meus escritos muitas das minhas ansiedades e angústias, quando as coisas não fluíam tranqüilas; não é de admirar, pois, até Kieerkgaard escreveu sobre a angústia. Quando juntei meus escritos e os chamei Notas Esparsas, fiz uma mistura de todas essas modalidades de temas a que me referi anteriormente; quem lê-las, poderá identificar conotação biográfica, porque fantasio coisas de família e de pessoas que compunham o meu pequeno mundo. Dou-me conta, de que esse pequeno mundo sofreu transformações com a idade e com a nossa própria vida, onde relegamos muitos daqueles valores antigos. Somos sufocados pelos relacionamentos mais superficiais, menos íntimos, mais acadêmicos, mais cerimoniosos; às vezes, tento lutar contra isso. Num livro chamado Clarabóia, afastei todos os dados familiares e de conhecidos, tornando-o impessoal, sem conotação autobiográfica, com textos somente de criação espontânea, de poesias e retratos de meus trabalhos nas artes plásticas. Um fato que requer explicação foi a adoção do pseudônimo, Judas Fawley, personagem de Thomas Hardy, que nasceu em 2 de julho de 1840, no Condado de Dorset, no antigo reino anglo-saxão do Wessex, tendo morrido em 1928. Gostei imensamente do seu livro Judas, o obscuro; precisando de um pseudônimo para o concurso Fernando Pessoa de poesias, adotei-o em caráter permanente. Participei de dois concursos com o pseudônimo JF.Prefaciei as Notas Esparsas com o pseudônimo e pude falar exatamente o que sentia em relação ao livro, do ponto de vista técnico. Meus textos podem dar uma idéia do meu pensamento político-social, mesmo quando escrevo pura ficção. Às vezes, os críticos exageram nas apreciações; Robert Bresson comentando uma poesia de Fernando Pessoa - Análise - diz ser um poema de amor e se refere a ela como se fosse um poema tipicamente pessoano, buscando ilações, tirando conclusões...Imaginem um pequeno poema contar a personalidade de um poeta. A poesia referida é monumental, mas tem uma conotação absolutamente abstrata e reticente em relação ao amor entre duas pessoas...Você escreve e reflete em seus escritos um estado de espírito, idéias por vezes pouco claras, mas que dão uma pálida amostra da personalidade do autor. Quando releio o que escrevo, se escrevi mecanicamente, faço-o sem qualquer emoção, o mesmo não se dando, se escrevi sob determinada emoção. Tenho um texto que escrevi, há muitos anos, falando das salinas de Araruama, lugar lindo, mas naquela ocasião, uma emoção negativa para mim; viajava a serviço, num jeep mal cuidado, com um mau motorista, beberrão, que colocava nossa vida em risco a cada minuto; experimentava uma sensação incrível de impotência, viajando para fazer um serviço que abominava e me deixava triste; sem horário para regressar, sem recursos para o serviço, precisando fazer o melhor, pois, o pior os outros podiam fazer! Escrevi o texto Salinas, que inclui nas Notas e, se alguém o ler, vai ficar absolutamente perdido, sem entender nada do que digo ou sequer compreender seu significado; todavia, poderá perceber uma decepção profunda, pois, transcende do texto, talvez ininteligível.

Abrantes Junior
Enviado por Abrantes Junior em 14/07/2009
Código do texto: T1698554
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