LAMPIÃO

PASSAR A NOITE EM CLARO

Nestor Tambourindeguy Tangerini

Destinado pela profissão, deu certo viajante numa vila do Nordeste, já noite, e, a convite da luz vermelha de lanterna a lhe piscar de longe, foi ter ao albergue do lugar.

No transpor a soleira, estremeceu: em torno a grande mesa, joga bisca um estado maior dos cangaceiros...

Retroceder – seria tão arriscado quanto ficar ali.

Impôs-se calma, cumprimentou a todos em geral e ofereceu pinga, aceita e logo servida; bebeu-lhes à saúde e, valendo-se da canseira e sono, pediu licença para recolher.

...

Estava de azar o viajante.

Como entregar-se a Morfeu, se, além do que gravara da entrada, se encontrava agora alojado em divisão de tenebroso quarto, tendo por vizinho o chefe de bando sinistro?

Sem pregar olho, ouviu a radiotelegrafia dos galos... Foi quando, imediatamente, deu um jeitinho e raspou-se.

...

Contando-me este episódio da sua vida de “cometa”, concluiu o viajante:

- Naquela noite, em quarto cavernoso, com Lampião a meu lado, pela primeira e única vez encontrei justificativa para uma coisa que nunca pudera compreender: “passar a noite em claro no escuro”...

...

Ante a ironia do narrador para com a expressão das mais interessantes da língua, fiz-me de filólogo e dei-lhe uma lição, fazendo-o ver que passar a noite em claro era redução de passar a noite de claro em claro, de sol a sol.

E tratei de mudar de assunto, antes me viesse o gajo com outras expressões fora do que eu havia aprendido... (*)

(*) Publicada no jornal AAC Informativo,

Órgão Informativo da Associação Nacional de Aposentados dos Correios.

Ano VIII – N o 19, p. 4, Brasília, DF, 1O. trimestre de 2001.

ARQUIVO FAMÍLIA TANGERINI:

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Bergamota
Enviado por Bergamota em 17/07/2009
Código do texto: T1705221