O Fim

Não me diga nada, já sei de tudo. Conheço seus olhos e o brilho que eles lançam, interpreto suas dissimulações: acabou.

É o fim de tudo. Agora começa o nada, numa eterna metafísica do que sempre esteve entre nós mas que nunca existiu. Quase uma sombra, um fantasma: acabou.

Não venha me dizer o que já sei, não procure palavras pra expressar o que eu já sinto. Ausência. Não. Inexistência.

Um tênue momento onde o seguro parece vacilar e o estável oscila. Um breve instante e fortalezas desmoronam onde novas barreiras se assomam. É o fim. E o fim de tudo é o começo do nada, o recomeço. Redimensionamento. Reestruturação. Reconstrução.

Do quê? Meu Deus, do quê? De uma vida desregrada e alavancada por prazeres imundos? De uma auto-submissão a vícios que, mais que viciantes, são viciados? Não quero recomeçar, prefiro viver nesse continuum que alguns chamam de vida, mas que prefiro encarar como um sarcófago vegetativo.

Predadores da alma! Invasores da carne!

Tenho medo de perguntar aos seus olhos o que está acontecendo. Esses olhos brilhantes... Não, não me diga nada! Não me olhe nada!

Não ME nada! Apenas me deixe. Absorto, inerte.

[C(F)urioso].

Estou há dois segundos mirando esse olhar, estável e corajoso. Não o irei desviar! Entretanto, tenho medo. Medo do que eles me dizem, medo do que eles me olham: acabou.

Nessa eternidade de milésimos, meu coração bate mais rápido do que as asas de um beija-flor. Meu peito sibila, ofegante e cansado de tudo isso. Meu corpo todo parece já se preparar para a derradeira mensagem que seus olhos me enviam e sua boca demora a amplificar (sim, apenas amplificar): acabou.

Como que a ler meus pensamentos, seus lábios se contorcem e se comprimem (lá vem, está juntando saliva para falar). O beija-flor para de bater as asas no vácuo que o contorna. Sua boca se abre, torna a fechar. Vacila, oscila.

Não me diga nada, insisto! Já sei de tudo: acabou. Acabou o silêncio.

“Eu amo você...”, meus ouvidos acabam de ouvir.

Eu já sabia, já esperava desde o começo, há cinco segundos atrás. Estava certo: acabou.

Acabou a solidão.

Fernando em Pessoa
Enviado por Fernando em Pessoa em 19/07/2009
Código do texto: T1707116
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