Sob a luz da Lua

Dizem que a probabilidade de uma criança nascer feia em um casal formado por uma mãe e um pai bonitos é praticamente 00,01%, e isso se repete quando o casal é formado por pais feios, onde a probabilidade de uma criança nascer bonita é de igual porcentagem, claro que há exceções, sempre aparece alguma criança bonita num casal de feios, mas sempre há resquícios de parentesco próximo, ou seja, um tio, um avô, uma avó, que geneticamente influenciaram de alguma forma.

O problema é quando esta criança nasce numa família onde todos os parentescos são terrivelmente feios, onde nem a matemática consegue calcular a probabilidade, e o pior, quando essas duas famílias de feios se unem, e foi exatamente isso o que aconteceu no sertão da Paraíba, a filha da D. Maria “Tortinha” e do Seu Benedito “Zaroio” a “bela” Ana “Fubanga”, neta de D. Josefa “Careta” e de Seu João “Pica-pau”, apaixonou-se e resolveu se casar com um jovem rapaz do município vizinho o famoso José “Orelha”, filho de D. Raimunda “Gengiva” e de Seu Pedro “Cara de rato”, neto de D. Cida “Ave Maria” e do Seu Antonio “Esquisito”, posso afirmar que a cidade parou para prestigiar o casamento (prometido seis meses antes numa festa de ano novo), os comentários pela cidade e até mesmo nos municípios vizinhos foram enormes, não tinham outro assunto a não ser desse “exótico” casamento entre Ana “Fubanga” e José “Orelha” considerados as duas pessoas mais feias da região.

Nascidos, já descrito anteriormente, nas duas famílias mais feias da região, título imposto desde as primeiras gerações, cresceram normalmente entre outras crianças até alcançarem a adolescência quando os diversos apelidos começaram a incomodá-los, não tinham um dia que não chegavam chorando em suas casas, onde já cientes, seus pais os esperavam para consolá-los, e isso permaneceu por muito tempo, até os vinte anos nem José “Orelha” e nem Ana “Fubanga” tinham tido o prazer do primeiro beijo, ninguém se habilitava a namorarem eles, mesmo ambos terem sido apaixonados por coleguinhas da escola, tanto ele quanto ela ainda eram virgens, no caso dele se negava pagar para transar, não acreditava em sexo sem amor, no caso dela nenhum homem queria nem mesmo se aproximar, apesar de poucos amigos (dois exatamente) sempre procuravam animá-los dizendo que um dia tirariam a sorte grande e os seus amores apareceriam.

E isso realmente aconteceu, os dois se conheceram no último dia do ano, na festa de réveillon mais tradicional da região o “Forróveillon”, e não foi simples não, tanto um quanto o outro relutavam em aceitar o convite dos seus amigos, até inventaram dores para não comparecerem, temiam ser alvos de gozações durante a festa e acabarem sozinhos (sobrarem) como acontecia normalmente nos aniversários que iam, tiveram que receber uma p.. bronca de seus pais que apenas queriam ver os seus filhos felizes e aproveitando a juventude, e depois desse “empurrão” decidiram prestigiar o “Forróveillon”. Tomaram um belo banho, se arrumaram com as melhores roupas que possuíam, usaram os seus melhores perfumes e confiantes com as palavras ditas por seus pais, foram para o local, quando chegaram seus amigos já estavam lá dançando ao som de “Calcinha Preta”, surpresos com as suas aparições trataram logo de arrumarem parceiros para eles, roda dali, roda de cá, e nada, ninguém queria dançar com eles e Deus então com a sua sabedoria resolveu a questão.

Vendo uma moça chorando em um canto afastado, José “Orelha” rumou até em sua direção, aproximou-se lentamente para não “assustar” a menina e perguntou se poderia ajudar, costumado a nunca ser correspondido nem esperou a resposta, e quando já seguia seu caminho para casa ouviu uma voz:

- “Se você quiser tudo bem, já estou acostumada a ninguém me enxergar”

Finalmente alguém lhe respondia com educação, virou-se para ela e com gentileza pediu licença para sentar-se ao seu lado:

- “Boa noite! Obrigado por responder, infelizmente sempre me tratam como um fantasma, um ninguém, por isso não ter esperado a sua resposta”.

- “Boa noite! Eu que devo lhe agradecer, sempre fiquei isolada nas festas e nunca alguém se prontificou a ajudar, por isso a demora pela resposta”

Os primeiros risos saíram naturalmente com esse mini diálogo inusitado, e quando a luz da Lua decidiu aparecer para iluminar os seus rostos, até então escondidos pelas sombras, seus olhos brilharam, seus corpos tremeram, os corações saltaram em seus peitos, suas mãos suaram, algo chamado AMOR começava a tomar conta deles, permaneceu um silêncio (mesmo com a música rolando) por alguns segundos, precisavam decifrar todas aquelas sensações e, sem pestanejar convidou-a para voltar à festa e dançar, no meio daquela multidão se consideravam os únicos, seus corpos explodiam, os seus amigos vendo o casal choraram de alegria, e no intervalo de um CD para outro, os dois decidiram apresentar os seus amigos (que se transformaram em amigos dos seus amigos).

E ao som da bateria de fogos comemorando o novo ano, sentiram pela primeira vez o delicioso sabor do primeiro beijo, e tendo os seus amigos presentes José “Orelha” pediu Ana em casamento. Marcado para o dia 24 de Junho (Dia de São João), as duas cidades estavam em alvoroço, as duas pessoas mais feias da região estavam prestes a se casarem, as duas famílias corriam contra o tempo, necessitavam ajuntar dinheiro para transformar aquela união na maior festa já vista desde então, e no dia marcado, tudo estava pronto, decidiram depois de muitas discussões que a festa seria na roça da noiva. No altar “Orelha”, nervoso, aguardava a sua amada já quinze minutos atrasada, com muita felicidade o sogro entregou sua filha a ele, e na frente do padre e sob a luz da Lua como testemunha, prometeram amar eternamente. Por um bom tempo nunca se soube de um casal tão feliz e apaixonado naquele pedaço de chão.

Um ano depois, da união desse “lindo” amor, nascia o filho do casal, que de tão bonito, aos cinco anos já estrelava comerciais de TV e aos dez participava de sua primeira novela.

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 19/07/2009
Código do texto: T1707163
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