CONSOLO

(Texto publicado nos jornais Brasil Norte (Boa Vista, RR), Brazilian Press (New Jersey, NW, USA) e no sítio Fontebrasil (Brasília, DF)

Ela estava desesperada. Faltavam dois dias para a festa das bodas de ouro. E ele ali, agora inerte; tinha tubo em tudo o que era buraco. Tava mais entubado do que o laboratório do Doutor Silvana. Sua respiração, circulação e rins funcionavam artificalmente. O desfibrilador, ali ao lado, já tinha sido usado três vezes.

Ele ali na UTI..., mais morto do que vivo.

Ela tresloucada, chorando, rezando, correndo daqui pra lá à procura de uma palavra de esperança de um médico..., de uma enfermeira..., de um amigo..., de alguém..., de quem quer que fosse.

Melquisedeque, segundo ela, no auge da vida, estava agora com setenta e nove anos:

- Ai, meu Deus, Melquinho não pode nos deixar agora...! Ainda temos tanto pra viver juntos...!

Sua irmã, Judite, impassível, recostada no enorme banco de madeira ali no corredor tecia seu tricô sem olhar pra ninguém; não via nada à sua volta. Seu mundo se resumia às linhas e às agulhas.

Zilda era só desespero. Corria, sentava, chorava e se lamentava.

Tarde da noite Judite juntou seu kit tricô, colocou tudo cuidadosamente na grande e inseparável sacola de ráfia, levantou-se, serviu-se de um copo com água, sorveu-o calmamente, sentou-se ao lado de sua irmã, apoiou-lhe a mão esquerda em seu ombro direito e falou:

- Pára com isso, mana... Tu vais ver como é bom ficar viúva... Não tem mais pra quem dar satisfação..., não tem mais cueca suja pra lavar..., não tem que fazer comidinha pra ninguém..., a gente dorme e acorda na hora que quer... Depois, mana, tem cada viagem que a gente faz!!! Tu vais ver!”

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Aroldo Pinheiro
Enviado por Aroldo Pinheiro em 07/06/2006
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