Roupas Íntimas

O fio de arame liso estendia-se da perna de 3” usada, com cerca de 3m de altura, até à parede frontal da pequena casa em que se via uma janela de madeira que não fechava direito. A porta de entrada, quase juntinha à janela, achava-se praticamente no meio da fachada. Como a janela, era também de madeira e a ação do sol e da chuva tirara-lhe a cor e a deixara levemente empenada, o que também ocorreu com a janela. A alvenaria da fachada, aqui e ali sem emboço, mostrava tijolos cerâmicos quase sem juntas de argamassa entre eles.

Otávia saiu para estender algumas peças de roupa que trazia pressionadas contra o peito. O varal situava-se ao longo de um córrego inexplicavelmente limpo. Apesar de pobres, os moradores do local faziam questão de que as águas servidas não fossem direcionadas para aquele curso d’água. Ao longo do córrego também ficava a linha do trem que se dirigia à cidade.

Otávia começou pela saia e a blusa da filha. Não parou quando teve que estender a calcinha cor de rosa da sua menina de 16 anos no exato momento em que o direto, que descia lotado, freava vagarosamente bem em frente ao seu quintal. Aquilo acontecia quase sempre na hora em que ela ia colocar a roupa para secar. Continuou sem olhar as pessoas dependuradas na porta do vagão, com ampla visão do seu quintal que ficava em nível inferior ao leito da via férrea. Pregadores de madeira com molas enferrujadas prenderam o pijama do marido, três de suas cuecas, duas blusas e dois aventais dela, dois soutiens e quatro calcinhas impecavelmente brancas.

Alguns rapazes na porta do vagão assoviaram e um deles chegou mesmo a ensaiar um gesto obsceno com o dedo médio da mão direita. Não chegou a ser visto por Otávia que, as ancas salientes no vestido estampado de cetim, ao findar o que fazia, dirigiu-se à porta da casa fechando-a atrás de si.

No canto esquerdo da porta, pelo lado de fora, via-se o retrato de um candidato a deputado federal que não se elegera.

Rio, 23/02/2005