Sujeito a Guincho ou Águia de Haia

Tem certas coisas na vida da gente que, contadas, parecem inventadas, mas não passam de verdades verdadeiras, dotadas de tanta realidade que fica muito difícil acreditar nelas.

Num de meus primeiros negócios (é, já tive alguns negócios), uma transportadora de materiais de construção, aconteceu uma dessas histórias que, como se verá, não dá para acreditar, mas aconteceram de verdade.

O negócio consistia em coletar em determinadas casas de material de construção os produtos a serem entregues aos compradores (janelas, azulejos, sacos de cimento etc.). Assim, depois de coletados, as notas fiscais eram trazidas para o escritório onde fazíamos o roteiro de entregas.

Pois bem, feito o roteiro, os motoristas pegavam os guias e mapas e rumavam para os bairros e ruas para fazer seu trabalho, juntamente com seus ajudantes.

Era comum os ajudantes lerem os mapas para orientar os motoristas, já que a cidade de São Paulo é muito grande e ninguém era obrigado a conhecer tudo detalhadamente.

Certo dia, na falta de um motorista resolvi dar o exemplo e chamei o ajudante, carregamos o carro (uma perua Kombi) com os produtos e saímos, rumo a zona leste para as entregas.

Durante o trajeto pedi ao ajudante que acompanhasse rua a rua o nosso caminho, para que eu fizesse as entregas de forma prática, já que estávamos em uma região que eu não conhecia muito bem.

A próxima entrega seria na avenida Águia de Haia, número tal. Seguíamos pela avenida do Imperador e pedi para ele posicionar o mapa e acompanhar as ruas: passamos rua Helena Amin, rua padre Clemente Segura, e eu insistia para ele acompanhar para que eu entrasse na avenida Águia de Haia, que não se distraísse, não deixasse passar. Continuamos cruzando a rua Olegário Maciel, rua doze, e assim fomos passando e ele com certa dificuldade conseguia acompanhar, às vezes deixando passar uma ou outra rua sem dizer o nome, e tomava bronca, e seguia tentando.

Ao cruzar a rua Alexandre Moreira falei para ele que achava que tínhamos passado sem perceber pela Águia de Haia, ao que ele veementemente negou. Parei o carro e pedi o mapa. Constatei que havíamos passado e dei a volta, parando alguns quarteirões à frente, na esquina da avenida procurada, já sem paciência, pedindo que olhasse a placa na rua e lesse em voz alta o que via.

Algo indignado, não entendendo o que eu queria, disparou:

-- Agúia de Aiá! Traduzindo: agulha de Iaiá!

Nem esbocei reação. Liguei novamente o carro e segui com as entregas, ruminando a bobagem que ele tinha dito. No que se tornou o grande Rui Barbosa? Na agulha de uma certa Iaiá.

No final do dia, antes de comunicar sua demissão, parei diante de uma garagem que ostentava uma placa com os seguintes dizeres:

“Não estacione sujeito a guincho”

Pensei comigo: esse sujeito de que fala a placa é o ajudante, sujeito muito “aguincho”, o mais “aguincho” que conheço.

O ajudante foi contratado pelo motorista.

Demiti o motorista e o ajudante.

Não pude suportar dois sujeitos “aguinchos” trabalhando para mim.

Almir Ramos da Silva
Enviado por Almir Ramos da Silva em 22/07/2009
Reeditado em 26/03/2010
Código do texto: T1713598
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