A defesa de um bandido

Certa vez um de meus alunos veio me perguntar se eu, como advogado, defenderia um criminoso.

Pois achei a pergunta interessante, já que de antemão ele, o aluno, condenava uma pessoa sem ao menos conhecer os pormenores do caso.

Pedi a ele que me exemplificasse a pergunta, dissesse exatamente o que queria saber, completando que defenderia os casos em que eu tivesse forte crença de que a justiça prevaleceria.

Naturalmente ele não conseguiu, então lembrei de uma cena que ilustra bem meu modo de pensar.

Era uma reportagem televisiva mostrando uma situação comum, em que havia um carro, ao longe, estacionado em frente a um prédio antigo. Algumas pessoas começam a passar, mais e mais gente até que uma multidão passa pelo carro, quando, de repente, sem motivo aparente, o motorista arranca, atropelando sete pessoas.

O locutor, assistindo a cena, enlouquece, xingando o motorista descuidado de todas as formas, falando frases de impacto, condenando a atitude impensada de arrancar com o carro, atropelar tantas pessoas na multidão e ainda por cima fugir desabalado.

A cena chocou a mim também. Por que uma pessoa faria uma coisa dessas se não fosse molecagem ou, como nós advogados chamamos dolo eventual, em que o agente age, sabendo da possibilidade de causar dano a alguém, e ainda assim segue agindo da mesma forma. Também condenei o motorista. Quem de nós não condenaria? Se ele atropelou muitas pessoas, saiu com o carro, mesmo com tanta gente em sua volta, sabendo que machucaria alguém, muitos, e mesmo assim não se conteve. Era mesmo um bandido, um sanguinário.

Entretanto, em outra emissora de televisão passou a mesma cena, com foco mais próximo. Nesse canal se via um rapaz bem jovem, talvez com dezoito anos, sentado ao volante. No banco do carona uma senhora idosa, que devia ser mãe dele. Atrás, sentada com uma criança recém nascida ao colo, uma jovenzinha também de uns dezessete, dezoito anos.

Quando a multidão se aproxima, veem-se claramente as pessoas munidas de paus e pedras. Ao chegar ao carro, alguns dos componentes da multidão começaram a bater nos vidros do carro, balançar e ameacadoramente esmurrar a lataria. Sem alternativa o rapaz liga o carro e, tomado por verdadeiro pavor, sai, atropelando sete pessoas.

As duas cenas são iguais, mas a segunda tem todos os detalhes que a primeira ocultou.

Vendo apenas a primeira cena, qualquer de nós condenaria o sujeito. Diferente pensar é o dos que veem a cena com todos os pormenores.

Na segunda cena podemos inferir que o rapaz era um jovem pai, levando sua mãe (ou sogra) e sua jovem esposa e seu filho recém-nascido para casa e que fugira em nome da segurança dos que estavam com ele. Essa segunda cena não é do bandido que todos vimos e condenamos na primeira.

Volto agora à pergunta do meu aluno.

Se eu defenderia o bandido.

O primeiro bandido eu jamais defenderia, já o segundo nem bandido era, então eu o defenderia sem nenhuma dúvida.

Afinal, os dois são o mesmo personagem.

Todos têm direito de ser defendidos.

Ou não é assim?

Almir Ramos da Silva
Enviado por Almir Ramos da Silva em 23/07/2009
Reeditado em 04/08/2009
Código do texto: T1715903
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