Impaginável

Nem sequer posso escrever, mas tanto tem

(PoetaGalega)

Nem sequer posso escrever, mas tanto tem, tenho os olhos do meu bem, ainda que na lembrança, uma aliança de amor. Tudo que escreverei, pode que seja piegas, tanto tem, é que as cartas de amor são ridículas, já dizia uma Pessoa.

Eu venho de longe, trago na bagagem saudade, amizade, alguns vestidos novos, acessórios, presentes pras meninas, cachaça, licor café e fé de um dia reescrever nossa melhor poesia, essa que inventamos dia após dia.

Deixei em reflexos uns recados amorosos, saborosos em guardanapos de bocas salivantes, antes de partir. Troquei os dias pelas noites em olheiras amantes.

Fiquei por saber qual a cor das estrelas, mas inventei umas tantas no corpo do meu amado. Não fotografei os monumentos, somente sentimentos.

Aprendi que falo galego com sotaque brasileiro, mineiro (afinal tem um galego dentro de mim). E que gente é igual no mundo inteiro, compra papel higiênico no supermercado, toma algo com os amigos, reclama da chuva, ama o mar, torce pro seu time, fala alto quando alegre e baixo quando o trem leva alguém querido.

Percebi que a matemática pode castigar a beleza, porque por 3,50 eu perdi 120 versos de um poema que só se faz a quatro mãos. Tem nada não, ou tanto tem, a gente canta, com lábios azuis, esse instante eterno, mais nada, nada me leva essas águas tão profundas que desembocam na pele, de leve, o que apaixonadamente navego.

Não poderei esquecer quando voava para beijar o mar, de bicicleta e ele na frente, feito seta, guiando os sonhos meus. Ainda tinha a sessão dos clássicos com gelado, dança flamenca nos outros andares pra quem não sabe que o amor é barulhento.

Trazia alguns ungüentos pras chagas das mãos amadas, em carícias plenas, obscenas sem pena do inimigo. Na boca, a saliva, que é dele e que é minha, feita de beijos e palavras decoradas na carne em larvas de vulcão.

Teve também o livro, que fizemos juntos, enfrentamos a natureza maldita das impressoras, uma paginação “impaginável”, a luta contra o calendário, o cansaço. Pode que não dê em nada, mas a epigrafe é genial, e ainda tivemos a companhia de uma amiga querida, isso complica, na hora de repartir o prêmio final.

Ao melhor, se calhar, talvez esses tantos filósofos, tão logo saibam de uma tal cozinha filosófica, não entendam a lógica de um tão louco querer, isso é coisa pra mim mais Ninguém e tanto tem que pareça enigmático, isso é mesmo mágico.

Deixo, porque não há outro jeito, de contar o que não cabe no papel, nem na memória, extrapola os limites do coração.

Carla Carbatti
Enviado por Carla Carbatti em 24/07/2009
Código do texto: T1716185
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