QUANDO MEUS PAIS SE SEPARARAM

Lembro-me bem daqueles dias – os dias dos rumores e final separação dos meus pais. Eu tinha em torno de oito anos. Lá se vão trinta e cinco. Aqueles dias não foram traumáticos só para nós, as crianças, – eu, minha irmã, com nove anos, e meu irmão, com menos de sete, mas também para a sociedade da época. Corria a década de 1970. Mais precisamente, 1974. Comumente as pessoas reagiam a notícias com expressões tão trágicas que entendíamos que após a separação morreríamos. E não era por pouco. Nossa amada avó, por exemplo, entrou em depressão e morreu por causa do sofrimento que sua filha caçula e netos atravessavam. Nossos avós paternos nos confortavam dizendo que, mesmo que nossos pais nos deixassem, eles jamais nos deixariam. Nossa apreensão, porém, e a certeza de que não podia haver vida após a separação dos pais nos davam a certeza de que não havia o que esperar após aquele tão temido instante. Em busca de sua felicidade, nosso pai bebia e fazia muitas bobagens e, sofrendo por causa das agressões e o desprezo do nosso pai, a mãe vivia a chorar e dizer coisas assustadoras, parecendo que ia desmoronar a qualquer instante. Nos sentíamos como pintos intrometidos entre duas pessoas arrependidas uma da outra. Nos sentíamos exatamente como a conseqüência de um erro fatal. Mas sofríamos em silêncio, brincando sempre e nos esquecíamos que nossa morte estava próxima. Nossa avó amada morreu no mês de agosto daquele ano e não fomos nem levados ao féretro. Dizem que ela chamava por nós três. Lembramos isso com tristeza ainda hoje.

Mas finalmente nosso mundo desmoronou, nossa família dos sonhos ruiu e nós ficamos calados sem quem tivesse pensado em algum instante se estávamos felizes. Crescemos pensando que a separação conjugal é o pior inferno para os filhos. Nosso irmão mais moço sempre usou isso como desculpa para ser auto destrutivo. Sei que os drogados sempre acham um bode expiatório para seus defeitos de caráter. Todavia, sabemos que nem tudo é tanto aquilo e nem tanto isso, pois os traumas da infância tornam-se cruzes sobre os nossos ombros na faze adulta. Porém, nós queremos ser fortes e não dar o braço a torcer que alguma coisa pode nos afetar. Entretanto, sempre lembro quão diferente teria sido nossa vida se tivéssemos crescidos sob a proteção ideal de nossos pais em harmonia. Sei que seríamos muito melhores sucedidos. Decerto eles nos teriam mantido na escola até a universidade, aonde ninguém chegou porque não aceitávamos estar sob o mesmo teto com a madrasta ciumenta e o padrasto possessivo.

Nosso irmão, por fim, se matou, quando já tinha vinte e sete anos. O fez sob o devastador efeito de uma recaída ao final de mais de um ano de tratamento contra as drogas. Lá se foi meu anjinho de cachos loiros, que eu dizia que a mãe tinha trazido do céu, o qual até foi Menino Jesus num presépio de Natal.

Todavia, nem todos morremos. Vivemos ainda e, se Deus quiser, sempre viveremos felizes, apesar da lembrança daquele que ficou para trás. Sou muito feliz também por ter ainda hoje meu pai jovem em plena saúde, apesar de seus sessenta e cinco anos, e minha mãe levando sua vida, embora os dois em casas separadas e cada um com seu novo cônjuge.

Quanto à separação dos pais, porém, para mim ainda é uma tremenda agressão aos filhos. E me surpreende muito ver que a sociedade se distorceu tanto a ponto de os filhos não acharem mais isso ruim, tendo por perfeitamente normal, sendo que muitos até tiram grande proveito da divisão entre seus progenitores. Entendi, porém, porque eles já não se incomodam. É que nasceram nesse sistema, aonde a sociedade vai se acostumando com o que é ruim, como o sapo que vai se acostumando com a temperatura da água enquanto ela vai aquecendo até morrer cozido sem perceber. A sociedade já está achando o ruim normal porque nunca conheceu o que era realmente normal.