Sobre a corrupção.

Sobre a corrupção.

Tenho a certeza absoluta que qualquer brasileiro que preste atenção os noticiários em retrocesso dos últimos seis meses considera a corrupção na política um dos piores males que temos de combater no país.

Sem dúvidas de que todos falam com boca cheia e pomposa sobre soluções e medidas que resolveriam tudo. Não duvido também que odeiem com sinceridade sua transparência quanto ao ódio a tal repugnante forma de agir de nossos homens poderosos e dirigentes.

Agora desloque o foco milhares de quilômetros que nos separam de nossa distancia com Brasília e vamos ver como se comporta um motorista, que antes estava em um bar com os amigos discutindo o assunto, deu algumas brilhantes contribuições para o pensamento brasileiro de como por fim a corrupção. Esqueceu do limite de uma latinha por hora para pessoas que dirigem e bebeu como sempre. E por coincidência é parado em uma blitz policial. Ele logo pensa na besteira que fez, primeiro de beber um pouco demais, logo depois de dirigir sem esperar nem um pouco. Agora ele corre o risco de passar por todo um processo embaraçoso, talvez sua família saiba Rapidamente isso é suprimido e ele se vê de frente para um guarda. A famosa frase “e ae amigo, como que a gente pode resolver isso?” é pronunciada e pronto ele agora está no rol das pessoas que praticam a corrupção.

Indo conversar com tal pessoa ele certamente lhe dirá que o problema não é dar 10 reais ao guarda, mas sim roubar 100 milhões do país. O que seu argumento perde não é focar na quantidade, mas no local errado da propensão do crime.

Quanto vale uma vida? Quanto valem 100 vidas? Quanto valem 10.000 vidas? Quem vale mais 10.000 vidas distantes ou a vida de sua mulher?

Veja o problema como uma perspectiva. Em quadros renascentistas o uso da perspectiva era utilizado para criar uma ilusão de espaço. Criamos nossa própria ilusão de distancia. E há quem olhe para um quadro e tenha certeza de que existe aquele espaço “para dentro” do quadro. Há quem olhe e veja que roubar 100 milhões em Brasília é mais grave que dar 10 reais para um guarda. A perspectiva põe tudo em balança. Pois os milhões de Brasília, já foram roubados, não te afeta sensivelmente no momento e não mexe tanto com os seus brios, nos acostumamos a ver isso. Já o risco iminente de ter a carteira caçada, o carro rebocado, uma multa que aumentaria a despesa do mês ou coisa que o valha muda toda a perspectiva da coisa.

Não é que tenhamos parado de pensar que a corrupção é ruim. Só ocorre que cometemos uma ligeira reformulação em nossa mente para nos desculparmos sobre aquele pequeno delito que com certeza não vai mais acontecer. Ou então que nos esforçamos para esclarecer que não há muito mal nisso comparando com os milhões de Brasília. Ou ainda mais dizer que o policial já ganha tão pouco para arriscar a vida, ele não é culpado disso.

Quando o assunto está longe de nosso círculo de vivência somos os primeiros a atacar e tomar argumentos enérgicos contra o ocorrido. Já quando a coisa nos atinge mais de perto mudamos a perspectiva do que vemos e achamos as desculpas mais marotas para nos justificarmos perante um ato que se fosse com uma outra pessoa iríamos nos exaltar até o fim defendendo a honestidade.

Seria realmente que mudamos de perspectiva assim tão convenientemente por um sistema já pronto em nossas mentes? Nos enganamos dando desculpas a nós mesmos para disfarçar nosso comportamento enquanto que ao vermos o comportamento dos outros tudo é tão claro e cristalino.

Brigar por uma revolução amanhã é mais fácil que para de fumar hoje.

Diante de uma ameaça de vida em sua família, você desviaria cem milhões de reais do auxílio merenda de escolas publicas ou brigaria pela honestidade acima de tudo correndo o risco de matarem um parente próximo?

O foco aqui é que temos duas pessoas dentro de nós o eu-agora e o eu-depois (idéia tirada do livo Auto-Engano de Eduardo Giannetti). O eu-agora é o primeiro a dizer para viver a vida, curtir aproveitar, contrabalançado pelo eu-depois que lhe diz que se fizer tudo agora provavelmente cairá na própria armadilha que estará montando.

Um é o responsável pelas atitudes que buscam uma obtenção de prazer a curto ou curtíssimo prazo, enquanto o outro é aquele que zela pelo nosso futuro a médio e longo prazo. O eu-agora é aquele que briga incessantemente lhe dizendo para roubar agora, ter um carrão, um apartamento, um conforto. Diz-lhe para fazer maracutaias para chegar ao poder de tal cargo, ávido pelo reconhecimento. O prazer do agora, daquele grupo de ações que focam no hoje, é focado no eu-agora.

Mas o que nosso truque de perspectiva nos diz? Que nosso dedão em frente ao olho é maior que um transatlântico no horizonte.

Quanto mais perto de nós as coisas se deslocam maiores as proporções que elas tomam. Ninguém nunca roubaria cem reais da vizinha idosa e com problemas cardíacos. Mas roubar dez mil de uma rede de lojistas por mês como pagamento extra para se manterem no local onde estão foge de nossa perspectiva, não vemos suas famílias, suas necessidades, suas faltas. Quanto mais distante de nossa existência melhor.

Se todos se conhecessem em nível intimo não haveria 99% dos casos de corrupção que existem.

Quanto mais a coisa distancia de nossa existência, leia-se mundo subjetivo, melhor fica para nos enganarmos e colocarmos panos quentes no problema, que fora de nossa vista consegue se dissolver como uma mera coisa que existe lá no longe, que basta olharmos para nosso dedão aqui perto que ele é maior e mais importante, pois é nosso dedão, está atrelado ao nosso corpo, e se na posição correta consegue ser maior que um transatlântico.

leandroDiniz
Enviado por leandroDiniz em 08/06/2006
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