IMPRESSÃO SOBRE O CHATO

Confesso que não suporto o chato. Não tenho vocação para o sujeito puxa-saco, baba-ovo, essa classe que vende a alma para agradar ao patrão. Estou escrevendo este depoimento ouvindo Cazuza, a voz que meus ouvidos melhor reconhecem. Tenho grande dificuldade em ser social, bem-comportado, convencional. Desprezo o sorriso-fotografia, o sorriso-recepcionista, o sorriso-profissional. Acho uma desonestidade sem tamanho o cidadão à paisana ter que seguir cartilhas de conduta para agradar a quem quer que seja. Não consigo ser operário, pau-mandado 24 horas por dia. No meu horário de trabalho posso ser o mais doce e alegre cãozinho. Agora no meu expediente de vagabundagem sou meu próprio patrão. Não devo satisfações. Não morro de amores por gente falsa. Não freqüento reuniões sociais para marcar ponto com aquele contato importante. Ele que se dane. Sem uniforme, não corrijo postura, não manejo o talher como espadachim, sento à mesa ( ou não) e como feito um faminto, um selvagem, coço o nariz e faço piadas desagradáveis. Anda de cueca pela casa e se assim preferir coloco o lixo pra fora.

Amo as pessoas. Todas elas. Mas isso não significa necessariamente que tolero quando elas invadem o espaço que marquei como meu somente. Tenho necessidade de muros, cercas e redomas. Sou aquele cara que costuma observar tudo de perto, mas escondido na moita, sem ser visto. Abraço as pessoas, mas só quando eu quero. Tenho uma tara cruel pelo meu pequeno latifúndio de solidão, os meus momentos da verdade, quando libero o meu animal selvagem, quando passeio com a minha besta-fera. Imagino mil vidas e civilizações, faço planos e traço metas, crio textos e sinto a arte entre as veias.

Não tenho muitos amigos. Por opção. Não acredito que eu tenha condições de cultivar assim tantos laços. Nunca fui à casa do meu melhor amigo, que morava há anos em frente à minha casa. Possivelmente nunca irei. Mas por que iria, se nos encontramos sempre, nos amamos e não há em mim maior ambição que essa? Acho um luxo esse negócio de msn, e-mail. O mundo virtual me possibilita ser mais próximo das pessoas do meu jeito. Da maioria das pessoas que gosto, não almejo presença física. Eles podem existir ali mesmo, naquele cantinho virtual, sob meu controle por toda a eternidade. Quando não estou a fim, bloqueio e não estou. Quando estou encantado, os freqüento da minha própria sala e coçando o nariz, elegantemente.

Sou assim, um sujeito anti-social, um bicho escroto, que ama a humanidade, mas é seletivo quanto ao próximo, esse animal distante citado pela Bíblia.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 27/07/2009
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