DOMINGOS FANTÁSTICOS

Quem gosta de televisão e não dispõe de uma TV por assinatura,ou a cabo,como queiram,submete-se a ingerir goela abaixo as elevadas doses que lhe são prescritas,especialmente nas noites de domingo.

Plenamente consciente da minha condição de "saudosista chato",ainda assim,não me furtarei à chance de tecer um paralelo entre as fantásticas noites de domingo num tempo em que sequer pensávamos em luz elétrica na nossa rua e os domingos "Espetacularmente" "Fantásticos"dos dias de hoje.

Senão vejamos:Sento-me diante da TV,pleno de expectativas,tigela de pipocas e cafezinho sorrindo pra mim e eis que jogam na minha cara que não devo comer nada gorduroso,evitar o sal e o açúcar (pipoca leva óleo e sal e o meu cafezinho é bem doce!).Devo me exercitar,tomar cuidados para não ser infestado pelo virus da gripe suína...Dizem-me que a água que estou tomando tem 99% de probabilidade de estar contamonada com cloriformes fecais (que nôjo!).E ainda perguntam-me:como vai seu coração?...seus rins?(os dois!),seu fígado,o basso,a visícula,a arcada dentária,seu...???

Entro em pânico,me desespero,viro a cara pra tigela de pipoca,atiro o cafezinho pela janela (com a xícara,inclusive)...Começo a esbravejar...

Chegaaaa!!!....Afinal de contas sentei-me aqui para distrair,e o que vocês estão fazendo comigo?Isto é um inquérito!...Mais que isso,é uma tortura!...

Vou para o meu quarto...Apanho um livro.O título é bem interessante;"Por onde andou meu coração".Coração?...Lembro das perguntas que me foram feitas pelo elegante casal de apresentadores,não consigo me concentrar,recoloco o livro na estante.

Imóvel,meio sem rumo,vêm-me à lembrança um tempo longínquo,não sei precisar quantos anos,sei apenas que já se vai muito longe,quando as noites de domingo tinham um delicioso sabor do macarrão caseiro de minha mãe,dançado num encorpado molho de tomates e manjericão,sempre acompanhado de um vinho tinto,bem comum,adquado ao bôlso de meu pai,mas saboreado como se fosse uma raridade naquela mesa que estava sempre repleta naquelas ocasiões.Apesar de sermos apenas tres (Éramos três),aos domingos havia sempre a presença de alguns casais de amigos e compadres de meus pais convidados a jantar conosco e fazer companhia ao fim da noite diante do rádio (TV naquela época era artigo de luxo) para juntos ouvirmos pela rádio Farroupilha de Porto Alegre o "Grande Rodeio Coringa" e o rádio teatro que vinha logo a seguir.

A casa ungia-se de calor humano e naquela simplicidade,ria-se com as anedotas,torcia-se pelos trovadores tradicionalistas,chegava-se às lágrimas com as dramatizações do rádio teatro.As vozes de Darci Fagundes e Luiz Menezes dosavam-se na exata medida para alegrar os corações,descontrair e estimular aquela gente simples que no dia seguinte despertariam muito cedo para trabalhar.Fechava-se a noite de domingo num fraterno encontro repleto de alegria que transparecia no brilho dos olhares,tremulantes,acompanhando os movimentos da chama do lampião a querosene.

Comia-se gordura,sim senhor!...E,é claro,morria-se também...A diferença é que ninguém se auto flagelava por ter ingerido carne de porco,por exemplo.O que,aliás,naquela época,sem geladeira ou freezer,era frita e armazenada com a gordura em latões de vinte litros a serem consumidos durante meses.

Acordava-se no dia seguinte com a singeleza da música dos pampas na cabeça...E hoje,acorda-se pensando em que?...

É evidente que não sou nenhum alienado,é claro que admito todo o avanço da modernidade e o benefício que isso nos traz,mas reconheço o elevado preço que pagamos para nos enquadrarmos em seus esquemas.

E para encerrar,dedido esta crônica ao casal "Vica e Batista" parceiros swe noitadas domingueiras em frente ao rádio.Alegres e sempre de bem com a vida,viram a solidez de suas bases acimentarem-se no tempo dos lampioenzinhos.Vivem ainda hoje na antiga rua do Fomento (hoje com outra denominação)e por onde costumo passar quase tôdas as manhãs nas minhas caminhadas.E a êsses amigos que conheço dêsde os meus tempos de guri,com os quais compartilhei os "anos dourados" da pacata rua,dedico êste singelo verso:

DAS COISAS BOAS DA VIDA

SEMPRE UMA LEMBRANÇA FICA

BATISTA OUVE ENCANTADO

A GARGALHADA DE DONA VICA