Por que não sou prosa?
 
Buscando motivos para não ser prosa, invejando quem é, tento descobrir se foi a ditadura da rosa, ou a do regime militar, até os anos setenta, que em criança me fez ficar muda.

Naqueles tempos, “peru calado ganhava um cruzado, peru falando saía apanhando”. Era assim que alguns de nós eram ensinados a não falar diante dos assuntos dos adultos. Muitos destes assuntos era o sumiço de pessoas que, inesperadamente, iam morar no exterior ou deixavam contas e pensões para a sua família. Depois, como no filme*, nos diziam que tinham saído em férias.

Penso também na rosa, que só sabia sorrir e agradar o jardim dos outros. Tudo era para os estranhos. Para as rosas da rua, o melhor adubo e adulação. Para as rosas de casa, só o espinho é que fazia ser forte. Depois, na adolescência a rosa queria “papinho”, mas esquecera que sem cativar, não seria jamais cativada. E assim, cultivara sua sina de flor solitária.

Mas e daí? A rosa murchou. A infância passou. Ditadura não há mais (jura?). E agora?... Por que o medo de falar em público é maior que o medo da morte? E quem não viveu rosa ou ditadura? Qual o porquê do imenso receio, de abrir o coração e falar de si, ao invés de falar de amores?

Tão simples tecer poesia, abrir-se em versos ao pôr-do-sol, defender as matas, amar incondicionalmente os chineses, lá do outro lado do mundo. Por que não dizer, olhando nos olhos, dos desconhecidos vizinhos: “-Bom dia. Boa semana para você!”. E para o cego ou idoso, parados diante do semáforo, por que não perguntar: “-Precisa de ajuda para atravessar a rua?”.

E para atravessar a via dos nossos caóticos sentimentos, quem nos dará a mão?
Será preciso achar culpados pela nossa imaturidade e fracasso na vida? Não seria mais inteligente agradecermos o que passou como sinal de aprendizado? Quem sabe, reagirmos ao novo com novas armas, tomando diferentes atitudes para tão diferentes estímulos que temos agora? Nunca haverá o mesmo estímulo, assim como disse o filósofo sobre a impossibilidade de alguém banhar-se duas vezes na mesma água do rio. Então, seria fácil ter reações diferentes para diferentes abordagens, até porque somos outros agora, não é mesmo?

E eu que só queria achar a chave para ser menos poesia e ser mais prosa, fico pálida só de pensar neste labiríntico e intricado jogo de palavras. Palavras que só me trazem mais questionamentos e nenhuma resposta. Saberá você do que calo?

 
 


(*) Filme nacional: “O ano em que meus pais saíram de férias”.