Para falar de flores...
 
Muito se tem refletido sobre o mal, na forma de violência e sua repercussão diária na mídia. Isto deve continuar sendo feito até, quem sabe, encontrarmos uma saída para o mal que não vem de fora, mas está dentro de nós. Hoje quero, em contraponto, mais uma vez deixar a poesia de lado, para falar de flores. 
          O que seriam flores, além daquelas que doamos junto com um livro ou presenteamos nas grandes comemorações? Chamo flores os gestos de delicadeza, sorrisos e palavras gentis. A diminuição do nosso ritmo, da loucura da velocidade, para uma feroz leveza e graça. Encontrarmos tempo para a nossa paz e a paz de estarmos com o outro.
          Admiramos as poucas pessoas que ainda, ao passar diante de uma igreja, fazem o sinal da cruz; cedem passagem à porta giratória dos bancos; tiram o chapéu ao entrar em um recinto; deixam uma senhora com criança passar a sua frente na fila do caixa e por aí vai a infinidade de pequeninos grandes gestos que daremos conta no dia do juízo final.
          Entre várias leituras no Recanto, encontrei a “A timidez do bem”, de Ana Maria Carvalho, sobre o grito da maldade, anunciada amplamente, contra o bem, que é tão pouco noticiado. À crônica, comentei mais ou menos assim: segundo leituras deste final de julho, a propagação do mal nos noticiários se deve porque o bem é maior e mais comum em nossa prática. Por isso o mal que não praticamos, mas que em nós está latente, nos atrai tanto a atenção.
          Isto eu já deveria saber. Certa vez, ligaram-me do banco para alertar que eu havia depositado dinheiro a mais, do que eu anotara no envelope de depósito. Fiquei abismada com a honestidade do bancário e comentei com o meu gerente na época, ao que ele replicou que era comum a honestidade, raro era o contrário.  Conheço, por exemplo, quem não durma antes de assistir vários noticiários na televisão, onde são repetidos os mesmos fatos com diferentes enfoques.
          Foi assim que pensei, num ato de censura ingênua, na criação de um percentual de boas notícias a serem divulgadas nos noticiários de televisão, jornal, revista e assemelhados. Poderiam continuar existindo os programas de barbarismos, para alimentar a adrenalina de quem assim o quisesse, mas com uma chamada clara de que ali não se noticiariam flores. Penso que assim, quem sabe, vendo que o bem se constroi, nosso gosto fosse aos poucos se modificando. 
          Como não assisto à programação da televisão amiúde e nem leio os jornais, talvez eu já esteja ultrapassada e este tipo de notícia do bem, assim como a poesia no currículo da vida, já seja a ordem de progresso em meu país. Gostaria tanto de estar ultrapassada nesta utopia...


“O Jornal é o papel
que relata o dia.
Geralmente ele relata

a morte e agonia,
mas... se ele relata

tristeza com tanto ardor,
por que não relatar amor?”

 
Esta linda poesia, que casa bem com esta crônica, foi escrita pelo DANIEL BENTO, de 11 anos, filho da recantista “FACEIRA”:
http://www.recantodasletras.com.br/trovas/1689608
(Publicado com autorização do autor mirim)