SMOKE GETS IN YOUR EYES

Fomos convidados para almoçar na casa do pai da noiva de meu filho. Lá se encontraram o anfitrião e esposa, a mãe da noiva e seu cônjuge, eu e minha atual esposa, minha ex-esposa e seu marido. Ao todo, oito pais, que estarão devidamente perfilados na cerimônia de casamento, em breve.

Modernidade, mas nada de muito estranho ou avançado; afinal, somos casais comuns, constituídos por homem e mulher.

Meus dois filhos detestam cigarro, o marido de minha filha e minha futura nora também, circunstância que, às vezes, embaraça momentos de confraternização; eles têm razão, mas dá-se um jeito para o harmônico e salutar convívio.

Geralmente, nós, os fumantes, quando freqüentamos algum ambiente de festa, temos de sair à rua para aplacar os reclamos do vício, não raro constrangidos, com uma nesga de culpa, quase em pecado, o que não é o meu caso, definitivamente. Era dia muito frio deste nosso rigoroso inverno sulino, de renguear cusco. Ficamos à beira da lareira, aperitivando, nos conhecendo melhor e jogando conversa fora. Quando nos demos conta, todos os pais engrossavam a fumaça do fogo com os seus cigarros em punho, enquanto os mais jovens se afastavam. Presentes, ainda, meu enteado adolescente, o irmão da noiva e sua namorada, que também não fumam, tudo a denotar que não somos maus, mas ótimos exemplos para os filhos.

Sugeri que os não-fumantes ficassem na área aberta dos jardins, quase como vindita pelas inúmeras vezes em que tive de sair ao relento para consumir meu pito, abandonando o espaço nobre das celebrações. Foi o que, aliás, acabou mesmo acontecendo, por iniciativa deles, deixando claro o contraste de gerações, cena de cinema. Uma penca de jovens sadios e não-fumantes no jardim, ao ar livre, sob o sol agradável, e nós ali, os pais veteranos, bebendo à meia luz e fumando muito, como nos filmes de caubói ou qualquer outro dos anos sessenta ou setenta.

O episódio foi engraçado e dele se podem extrair lições. Primeiro, que, nós, dinossauros do tabaco, estamos em extinção. Segundo, que o mau exemplo dos pais às vezes é bom para a formação dos filhos. Terceiro, que talvez sejamos o último pelotão de fumantes nesta guerra do prazer humano e que nossos netos conheçam o cigarro apenas por ouvir dizer, como os mais jovens conhecem lança-perfume, palheiro, rapé ou o absinto do romantismo literário. Ou talvez façam como fazia minha mãe, que, até os 80, fumava um ou dois cigarrinhos por dia, era cardíaca e viveu até os 87 anos.

(Escrevi esta crônica em julho de 2009)

José Pedro Mattos Conceição
Enviado por José Pedro Mattos Conceição em 30/07/2009
Reeditado em 03/09/2016
Código do texto: T1728016
Classificação de conteúdo: seguro