A morena dançarina e o mundo que carregava
Era do Norte, morena e bonita. E dançava. De passagem pelo shopping, parei para ver o grupo que enfeitava o palco com suas vestes, seus movimentos, sua música e, principalmente, seus sorrisos. Alvos e brilhantes, como o brilho que acompanha a juventude.
No meio do grupo, com a saia e o cabelo esvoaçantes, a morena pele brilhava. Só então reparei a barriga redonda, imensa, pulando vida aos movimentos intensos de sua dona. Carregava mais vida do que a dança que a carregava.
O (ou seria a?) dançarino mais novo do Festival de Danças não via o colorido e a dinâmica do movimento presentes em cada espaço da cidade. Mas se movimentava ao som da música, dos gritos entusiasmados dos dançarinos como ele, acompanhando a mãe em seu pequeno, portátil e particular Planeta Água. Como será que fazia para dançar com a mãe? Mergulhava, pulava, nadava; como fazia? Deve ter sorrido, mas não dá para saber.
A dançarina morena apresentava o filho à magia. E vice-versa.
Que tamanho teria em sua redoma de água? Segurava a orelha com a mão, fazendo concha, para melhor ouvir a música e entender o ritmo dos passos e sacolejos da mãe? Talvez levasse o indicador à boca, às vezes, pedindo silêncio para saborear o som de mar que o útero deve ter, já que do mar viemos e ao mar, não ao pó, voltaremos, pois diluirmo-nos é nosso destino.
E a mãe, após a dança, lhe disse: “Obrigado, cavalheiro, por guiar meus passos”?
Já deve estar de volta a seu lar. Longe de nós, longe desse frio que nos mofa os ossos, dos pacotes andantes em que nos transformamos para guardar um pouco do calor que temos e que teima em sair em cada pequena fresta de nossas vestes.
Tomara que a mãe lhe conte muitas histórias nos finais de tarde, olhando as águas. Histórias de um rio bem menor do que deles, que banha um lugar transformado em santuário da dança, mas que é negro e fedorento porque não deixam quem cuida da dança cuidar, também, do rio. Histórias de vibração e entusiasmo e de amigos mil, de um mesmo ideal de movimentos. Histórias de uma viagem que fizeram juntos. De um amor que carregou na barriga e, orgulhosa, mostrou a todos com sua dança.