O menino dos óculos quebrados

Em mim senti percorrer um sentimento estranho. Vi surgir, em rápidas passadas, um ser encapuzado. Não percebi seus intuitos. Algo nele despertava-me a curiosidade inocente; o desejo de descobrir. Sentou-se em um dos bancos da praça. Puxou um livro; pôs-se a ler. Em pouco tempo, levantou o capuz; era, pois, apenas um menino. Percebi logo os óculos que ele usava: estavam quebrados. Pessoas – muitas – por ali passaram; olharam-no inconscientemente, e não perceberam nada. Minha visão simples, porém, está cansada de rostos belos, de paisagens bonitas, de coisas a apreciar... Ela quer ver o sentimento: se há algo cabalmente belo nos seres humanos, é o sentimento. Não me contive; fui, então, aproximar-me dele - por que alguém se colocaria a ler com os óculos quebrados? Cheguei perto. O menino auscultou-me. E, ao assim fazer, contou-me um pouco de sua história. Havia perdido sua família em um incêndio. No dia, saiu ele de casa; condenado à tristeza, procurava refúgio nas árvores. Ao voltar – pela noite – viu sua casa em chamas. Correu ao salvamento dos seus. Em caminho, senilmente tropeçou na mocidade; caiu. No chão, sentiu estourar as lentes dos óculos. Desmaiou; nada mais viu. O livro que ele lia era um álbum; na foto que centralizava, estavam os seus. Usava os mesmos óculos que encontravam-se presos à visão eterna. Não era para enxergar que hoje ele os punha; era para sentir-se, deveras, em consonância com os queridos.