MEU VELHO PAI

Éramos três: meu pai, minha mãe e eu. Uma família bem pequena apesar da minha mãe querer ter enchido a casa de pirralhos. Até tentou, antes de mim vieram três, mas todos faleceram devido às más condições de vida dos sertanejos que tinham como fardo o grande peso da ignorância. Um nem chegou a nascer porque a parteira não soube fazer o parto e os outros dois morreram de “doença de menino”. Santa ingenuidade que tantos bebezinhos matou.

Por uns anos meus avós, paternos, moraram conosco, já que o irmão do meu pai morava na Bahia e a irmã no Rio de janeiro. Boa parte dos nordestinos migram para outras localidades fugindo da seca. Até que meu avô faleceu e minha avó foi morar com meu tio na Bahia. Então ficamos em trio.

Meus pais me contaram que quando nasci era tão mirrada que eles tinham certeza que não sobreviveria, pois os outros que eram fortes morreram, imaginem um suspiro de gente. Então descobri que nasci valente já que desde o nascimento travei uma luta pela sobrevivência. E para minha alegria aos poucos fui percebendo que a história de vida de uma pessoa se faz independente desta ser gigante ou pequena. O que me faltava em fortalecimento físico foi sendo compensado pela inteligência. Desde cedo me via diferente e queria uma vida bem melhor do que a que meus pais podiam me proporcionar e sempre lutei por isso. Me fiz valente. É tanto que venci a morte imaginada – não desejada – pelos meus pais. Também nasci esperta porque nas condições simples em que vivíamos, sabendo que minha mãe queria uma creche inteira de filhos, antes de sair dei um nó bem dado em suas trompas que nunca mais ela conseguiu parir. Eu lá queria sofrer grandes privações, muito menos dividir as atenções.

E assim ficamos os três, até o dia que Deus a levou. Muito jovem – quarenta e dois anos – e muito doente também pela ignorância do povo do interior, não sabia se cuidar - evitando assim o mal que a levou - mas de uma força espiritual incomum. Sabia seu tempo aqui ser pouco, juntou todas as suas forças e realizou todos os seus sonhos, apesar das dificuldades. O último deles era morar na cidade de Mossoró, esta que adotei como minha cidade, provavelmente porque aqui ela descansa em paz. E eu continuo na luta que aprendi com ela a não desistir jamais de seus sonhos. Persigo, com carinho, os meus e realizo-os sempre.

Bom, ficamos em dois, eu e meu velho pai, na época com cinqüenta e dois anos. Ele o oposto dela, acomodado, desacreditado em sua força interior, apesar de ser muito inteligente e ter estudado mais que ela. Até hoje se mantém bem informado, lê, ouvi e assiste jornais diariamente. Entretanto, carrega consigo o peso da brutalidade, um ranço terrível. Mas mesmo assim tem muitos amigos e em sua roda de amizades ele é o doutor porque sabe responder tudo que os amigos perguntam. Mas no dia que está com a pá virada – zangado sem motivo – mal fala com os amigos e nós sua família composta por quatro membros – eu, esposo e dois filhos – ou então resolve reclamar de tudo e de todos. Aí é um Deus nos acuda porque ele é senhor detentor de toda verdade do mundo. Felizmente os amigos já se acostumaram com seu jeito esperam a poeira baixar e voltam. Alguns não têm sangue de barata se aborrecem e somem.

Quanto a mim, que sou filha, já desisti de tentar lhe ensinar a ter bons modos, pois sei jamais conseguirei, uma vez que este se justifica dizendo que é assim porque nasceu e se criou no sítio. Mesmo assim nossa convivência é boa, desde que eu não discorde dele. É o que procuro não fazer, respeito sua idade que já pesa – setenta e cinco anos – e assim vivemos há quarenta e três anos. Após a morte de minha mãe ele não quis me dá madrasta, casei um ano depois e moramos juntos até os dias atuais. Tanto meu esposo, quanto meus filhos também o respeitam e mantemos uma convivência familiar harmoniosa, com algumas exceções e privações, claro. Têm coisas que evitamos fazer pra não quebrar nossa harmonia e assim a vida segue tranqüila.

Hoje, dia dos pais. Tantos outros já passamos juntos. Vejo seus cabelos brancos e me arrepio só em pensar no dia de sua partida. Como irei me acostumar sem o seu arrastado de chinelos dentro de casa, sem o som constante do seu velho companheiro – um rádio pequeno de pilhas – em alto volume, pois a sua audição já é falha. E quem vai reclamar de coisas desnecessárias, como só ele sabe fazer tão bem. Incrível como na vida nos acostumamos com tudo, até com certos hábitos que nos incomoda.

Aqui rogo a Deus que conserve a sua saúde de ferro – detesta médico e come de tudo – é saudável e disposto, além de ter uma memória muito melhor que a minha. Para que este possa ainda estar conosco por muitos e muitos anos. Foi com ele que aprendi princípios morais valiosíssimos que contribuem para o meu bem viver. Homem simples, mas de uma responsabilidade e honestidade do tamanho do mundo.

E saiba, meu velho, que jamais o colocarei num abrigo para você terminar seus dias sozinho, abandonado. Sou eu, tua única filha, que vai trocar suas fraldas se for preciso, mesmo ouvindo as suas reclamções. Se assim Deus me permitir.

Quem não têm ou teve problemas de conflitos com os pais... melhor evitar o confronto... tente se colocar no lugar deles... respeitando a sua idade... E tenha um feliz dia dos pais!!!

Fátima Feitosa
Enviado por Fátima Feitosa em 09/08/2009
Reeditado em 09/08/2009
Código do texto: T1745109
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