GATO GATO GATO

Veja se sete horas da manhã de um domingo é hora desse infeliz desse gato ficar miando que nem um desesperado na porta da cozinha, querendo comida. Antes, só miava. Depois o que era um miado foi ficando um choro comprido, lamentoso, insuportável. Por que é que gato não resolve as coisas numa boa? Até pra meter, gato é enrolado. Fica lá naquela cantoria, uma aflição que ninguém agüenta, um olhando pra cara do outro um tempão. E na hora agá é pá, pum, já foi. E acho que a gata nem sente direito como é que foi o negócio lá deles. Agora deu pra arranhar a porta. Estraga toda a pintura. Alguém tem que avisar pra esse bicho que no domingo não tem empregada, que no domingo não dá pra ele ficar com essa gemeção a manhã inteira, até acordar o prédio todo. Depois ficamos os dois acordados, eu e ela com cara de besta, e ele vai dormir no tapete da sala, no quentinho, até a hora que quiser. Às vezes vou lá, ligo a televisão com o volume bem alto na cara dele, e nada. O bicho nem se mexe. Eu já falei, põe essa ração no sábado à noite. Só que aí ele come tudo no sábado mesmo, no dia seguinte vai ser o mesmo inferno. Um saco, isso, a gente quer dormir até mais tarde no único dia de folga e não pode por causa do gato. Também, que mania, essa, de gato. Gato em apartamento não serve pra nada, pra que é que serve um gato num apartamento? É pra decoração? Então me fala, eu compro logo três, quatro esculturas de gato, espalho pela casa e ninguém precisa mais ficar botando ração, comidinha, leitinho, essas coisas todas que gato come. Ainda mais num apartamento pequeno desse, mal cabemos nós dois, quanto mais um gato. E castrado ainda, fica rebolando aquela pança imensa na frente da gente, que quer passar e não pode porque o apartamento, como eu já disse, é pequeno, e o bicho cisma de ficar na frente, bem quando estamos com pressa. Não tá nem aí com ninguém. Tudo bem que faz as necessidades na caixinha de areia, mas até aí não tem vantagem nenhuma, que toda semana a empregada tem que substituir a areia suja por outra, digamos assim, em condições. Aí, sabe como é empregada. Pega a areia de uma construção que tem do outro lado da rua, pra ir até lá se emperiquita toda, bota shortinho, meia hora no espelho retocando a maquiagem, segurando a caixinha de cocô do gato. Aí vai, encontra as amigas no elevador, a peãozada para a obra só pra ver a moçoila pegando a areia e botando na caixinha. Os vizinhos nunca reclamaram, não, do cheiro da caixinha de areia na área de serviço? E vai dizer que ele não mexe no lixo dos outros? Pode crer que mexe. Ela diz que é implicância minha, só porque foi presente da mãe eu não suporto o animal. Mas isso é uma injustiça, afinal se fosse assim não teria me casado com ela. Lógico, não? E naquela época ela não tinha gato, também. Mas o mais impressionante é que o gato simplesmente me ignora. Não me dirige a palavra. Bom, palavra, claro, no sentido figurado. Não me dirige o miado, por assim dizer. Passa por mim como se eu não existisse, no máximo uma olhadinha de nada, sem compromisso, com aquele ar de “ah, você está aí?”. Depois volta à sua vadiagem habitual. Mal sabe ele que até a raçãozinha dele, quem paga sou eu. Fica difícil, desse jeito. Indiferença de mulher, a gente até atura de vez em quando. Mas de gato? Bom, deixa eu ir lá, senão esse pederasta acaba com a porta.

Benilson Toniolo
Enviado por Benilson Toniolo em 13/08/2009
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