Toda a sorte do mundo

Lendo uma entrevista do Professor Portugal e o comentário da atuante Professora Zezel Leite, lembrei da minha trajetória como estudante.

Fechei a velha mala de couro que herdei de meus irmãos e fui estudar em Salvador. Era o ano de 1972. Tinha uma coisa que levava na bagagem e não imaginava ser de excelente qualidade era a minha base educacional, adquirida com os meus queridos mestres de Poções. A opção por fazer o curso técnico foi a forma mais rápida de me tornar independente em três anos de estudos e poder fugir do vestibular.

Manter um filho estudando fora custava muito. Pagava-se o pensionato, a alimentação, transportes e ainda por cima tinha que sobrar um dinheirinho para o cigarro e eventuais passagens entre Salvador e Poções. Mas, na primeira batalha, o vestibular do curso técnico, eu passei bem.

Fui morar na pensão de dona Anísia, na Rua Direita da Piedade. Estudava no Barbalho e, muitas vezes, troquei o dinheiro do ônibus por boas paletadas para sobrar o da “birita” do final de semana. Tive a sorte de ter meus irmãos e primos morando aqui e, várias vezes, poder dividir a moradia com eles. Se por um lado era mais tranqüilo, eles me cobravam o estudo em qualquer hora vaga e regulavam as minhas farras.

Mas a qualidade do ensino da Escola Técnica Federal da Bahia (atual Cefet) era excelente para o curso de Estradas que eu fazia. Me desleixei no português e não admitia ter que aprender logaritmos, funções e derivadas. Tanto que terminamos o curso e ainda fiquei mais um semestre em recuperação de matemática, enquanto meus colegas já estavam trabalhando.

Em 1975, consegui uma boa colocação no mercado. Começou a tão sonhada independência financeira e o inesperado desejo de deixar de fumar. As viagens de trabalho começaram e também a minha dificuldade para preparar e passar no tão sonhado vestibular de engenharia civil da federal ou da católica. Uma verdadeira ilusão e decepção – fiz por cinco anos seguidos o vestibular da federal, quatro vezes o da católica, até que alguém me disse para mudar de opção. Fui fazer o de administração e aí passei na segunda tentativa, mas numa faculdade particular. Não era burrice. Eu não me preparava e achava que poderia passar por sorte, poderia enganar ou cansar os computadores.

Depois de tanto esforço, entre viagens e estudos, larguei o curso de administração faltando dois semestres para a conclusão e assumi a condição de administrador sem canudo.

Talvez, se tivesse feito o curso de engenharia não seria um brilhante engenheiro. Mas, como técnico, tive um excelente desempenho e, na prática, hoje, misturo os conhecimentos do curso técnico, da administração e de tantos manuais de manutenção de máquinas pesadas que muitos imaginam que sou um engenheiro mecânico. E deixem pensar...

Enfim, tenho convicção que o nosso país está muito atrasado na formação de novas escolas técnicas e cursos. Não há profissionais sobrando no mercado. Temos muito tempo de férias escolares e carências de vagas. A universidade federal da Bahia só agora disponibiliza os cursos noturnos e seria um avanço se ela pudesse formar os técnicos, também. Acabaria com essa polêmica de vagas para cotistas e com a barreira do vestibular. Desenvolveria novos professores e mudaria significativamente o mercado de trabalho. A universidade, enfim, seria de todos. Como eu não sou “expert” em educação, paro por aqui.

Quando falo sobre o assunto aqui em casa e por ter tido formação média em escolas públicas, já escuto o coro que devo utilizar as cotas para fazer a engenharia mecânica. Uma boa idéia, mas difícil de aceitar porque ainda não me convenci que posso estudar e aprender os benditos logaritmos, as funções e as derivadas.

E mais, não quero passar no vestibular por sorte...

Luiz Sangiovanni
Enviado por Luiz Sangiovanni em 15/08/2009
Código do texto: T1756037