Lembranças

Como é bom lembrar!!! Principalmente se for momentos bons da nossa vida, as ruins também são necessárias, afinal aprendemos com os nossos erros, porém nada melhor do que recordarmos apenas as boas lembranças, o ser humano apesar da sua poderosa máquina, o nosso grandioso cérebro, ainda precisa de recursos externos para conseguir registrar e amarzenar todas as nossas informações obtidas com o decorrer dos anos, fotos, filmes, cartões postais, cartas, objetos vinculados a fatos, há sempre alguém da família responsável pelo registro (não sai de casa sem uma máquina fotográfica ou filmadora), viagens, nascimentos de filhos, aniversários,... emoções que nos fazem viajar pelo tempo, afinal a nossa memória pode falhar e repentinamente sumir com todas as nossas lembranças.

Conversando com um senhor, que por coincidência, também aguardava o mesmo ônibus que eu, após uns dez minutos de atraso, por um motivo qualquer, iniciamos a nossa prosa, ele já com os seus setenta e sete anos, quase oito décadas de vida e quase duas de lembranças, foi a partir daí que numa sessão de nostalgia, este senhor, resolveu contar um pouco de sua vida e o porquê das suas poucas lembranças, simplesmente porque não valorizou cada instante que viveu, como ele mesmo disse: “nunca me preocupei com nada, deitava como um cavalo e levantava como um burro, pela manhã, sentia que ainda estava vivo, já bastava”. Seus olhos, lagrimejados, denunciavam o seu arrependimento contando um pouco de sua história, dizia que não gostava de fotos, guardar datas de aniversários, nomes de colegas ou familiares, não participava de aniversários ou reuniões de família, nunca se preocupou com o nome dos filhos (quatro), da esposa, de sentir emoção, de guardar os lugares por onde andou, nunca torceu por um clube de futebol, ano novo e natal eram datas comuns, experiências marcantes para qualquer ser humano, ou seja, nada o deixava sensibilizado para que o pudesse lembrar posteriormente.

Ele só começou a preocupar-se com o fato, perto dos sessenta, quando colegas, familiares (inclui mulher e filhos), iniciaram um afastamento gradativo dele, simplesmente porque ao perguntarem algo do passado, ele honestamente dizia: “não lembro”, nos álbuns de fotos ou filmes nunca aparecia, por não gostar ou simplesmente por não estar ali. Um dos fatos que me chamou a atenção foi não saber a data de nascimento do primeiro filho até os quinze anos de idade algo marcante em nossas vidas (imagine dos outros três), por ser durante muito tempo caminhoneiro, passou boa parte da sua vida nas estradas (diz ele ser isso “um” dos fatores para não se preocupar em guardar as coisas), ficava dias, meses sem voltar para casa (não perguntei, mas quase, se todos os filhos eram dele). Quando percebeu o isolamento que caminhava ao seu lado, principalmente depois da aposentadoria, resolveu reviver novamente, abastecer a sua memória com todas as lembranças possíveis no pouco tempo que lhe faltava.

A sua primeira iniciativa, lembrando já com um sorriso no rosto, foi comprar uma máquina fotográfica e aprender a usá-la, ele conta que a sua mulher estranhou, pois sempre quis comprar uma e ele nunca deixou, depois foi começar a participar dos acontecimentos mais importantes, aniversários, casamento dos filhos, nascimento dos netos, escolheu um clube de futebol para torcer, a viajar com sua esposa, a visitar familiares, tudo sendo registrado pela bela máquina digital, fazia questão de pedir a alguém para tirar as fotos, para que dessa forma estivesse nela, não dormia enquanto não revelava todas, as paredes de casa (sempre tão vazias) agora eram preenchidas com molduras enormes cheias de fotos, nas reuniões de família tinha o prazer de lembrar-se de qualquer momento, o apelidaram de “homem Pc”. Esqueciam de alguma coisa? Liga para o “homem Pc”, e o pior, gostava de ser prestativo.

E como o ônibus não surgia, o papo continuava, um momento engraçado foi quando o seu celular tocou, pediu licença e atendeu:

- “Alô”

- “...”

- “Não acredito que você não lembra? Está do lado esquerdo da segunda gaveta, no meio do guarda-roupa da Ana, perto de uma caixinha azul, onde estão as bugigangas dela.”

“Brincadeira, ela mesma guarda e depois não lembra onde guardou!!! Não tem cabimento” Pensei comigo na hora: “Para quem até pouco tempo não gostava de lembrar nada”. Quarenta e cinco minutos depois, quer dizer corrigido por ele, exatamente cinquenta e seis minutos depois, o nosso ônibus aparecia, adentramos e partimos para o nosso destino, passei para trás da catraca e ele pela idade manteve-se na frente, no ponto final, descemos, ele aproximou-se de mim, apertou as minhas mãos, perguntou o meu nome e disse:

- “Olha filho, sei que não vou corrigir todos os meus erros, infelizmente os melhores momentos deixei escapar, contudo hoje estou procurando não errar mais, participo de todos os segundos da minha vida, enquanto vivo jamais me esquecerei da nossa conversa e nem de seu nome, só não peço para tirarmos uma foto, por não estar com a máquina aqui. Um pequeno conselho: “viva todos os dias, guarde todos os momentos, viaje muito, compre uma máquina fotográfica e acima de tudo, LEMBRE, nada melhor do que viver das LEMBRANÇAS e guardá-las bem, um abraço.

Seu Pinheiro seguiu em passos lentos para o seu caminho, eu fui para o meu, nunca mais tive o prazer de reencontrá-lo, mas depois desta história, comecei a valorizar ainda mais cada momento.

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 16/08/2009
Código do texto: T1756455
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