Crônicas da Amendoeira ( Prêt-À-Porter e o amigo )

Encontrei Prêt-À-Porter na Amendoeira ( onde mais? ). Ele estava com um amigo ao qual apresentou-me com incomum presteza. O careca levantou-se, e apertando-me a mão declarou-se:

- Muito prazer, Badalhoca, um seu criado.

Ao ouvir-lhe o nome, e conhecedor do cunho vernáculo do vocábulo, tive o ímpeto de ir ao banheiro lavar as mãos, mas contivi-me.

Badalhoca não tinha um único dente na boca que se abria num sorriso banguela. E como sempre acontece com pessoas assim, cuspia muito enquanto falava. Por isso levava a mão à frente da boca, criando um eficiente anteparo de saliva, o que nos dispensava da necessidade de um guarda-chuva que eu não trazia.

Contou-me que não se lembrava de já ter tido um dente sequer na vida, talvez na infância, mas dessa fase ele era que nem computador de português das piadas brasileiras: não tinha memória, mas uma vaga lembrança. Rimos de verdade. Prêt-À-Porter sugeriu um brinde. Brindamos. Badalhoca não bebia: era uma esponja. Pude observar que ele sempre virava todo o conteúdo do copo num único gole. E como alternava a cerveja com a Sagatyba que o Marcinho lhe servia, em pouco tempo estava igual a um pinto no lixo: todo feliz e saltitante.

Meu amigo Prêt divertia-se. Badalhoca estava entregue. Batendo no balcão, pediu um pires de tremoços e dois saquinhos de amendoim. Estranhei o pedido, pois não imaginava como maxilares nus poderiam deliciar-se dessas sementes à guisa de singelos acepipes. E foi a galhofa. O careca com nome de significado, digamos, coprológico, enfiava-os na boca e, apesar da adontia, mastigava-os com a paciência dos ruminantes. Mas num simples e derradeiro gole de cerveja, Badalhoca esgasgou e espirrou. E como já não se preocupava em levar a mão à frente da boca, deu-se o inusitado: estilhaços de amendoins e tremoços pipocaram pelo ambiente como pólvora de um tiro de bacamarte. Foi a conta. Fui ao banheiro e deixei-me demorar. Quando voltei o bar estava vazio. Havia apenas um emburrado Marcinho passando um pano úmido com desinfetante pelo chão. Pude ouvir-lhe enquanto esfregava:

- Ah, esse Prêt-À-Porter me paga!

No que me diz respeito, ficou-me a conta. Paguei-a, dando toda a razão do mundo ao simpático Marcinho.

Aldo Guerra
Enviado por Aldo Guerra em 16/08/2009
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